Viagem pelo Brasil teve balanço de trem, barcos na Amazônia e muita história, relata leitor

O jornalista e escritor Jonas Reis, autor do livro “Viagem à Alma do Brasil”, explorou todos os cantos do Brasil, de norte a sul, em uma viagem que durou pouco mais de 6 meses (ele voltou para casa duas vezes nesse período). Durante sua expedição, Reis viu atrações turísticas, festas e palcos de vários momentos históricos, como Canudos, Bagé e Xambioá. 

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Eu havia metido na cabeça fazer uma viagem à alma do Brasil. Desta vez não seria um turista feliz rumo a destinos elaborados, lugares arrumadinhos, monumentos lustrosos. Seria pé no chão, janela de ônibus, balanço de trem, barcos na Amazônia, camas de albergue, histórias e muita história. Foi assim que vi o melhor do país. Não dá para detalhar neste espaço, descrever a emoção da estrada, os caminhos percorridos. Aqui, mostro o roteiro.

Começo pela Manaus do grande Teatro Amazonas, do porto e do mercado municipal. Suo em bicas num mês de junho. Sigo para Novo Airão, onde conheço uma espécie de Buda, louro, no Instituto Dharma, à beira da floresta. A caminho de Boa Vista atravesso as terras dos índios Waimiri Atroari. Depois entro na Venezuela para subir o monte Roraima numa aventura de seis dias. De volta a Manaus, tomo um barco e chego a Parintins, onde conheço o espetáculo dos bois Garantido e Caprichoso e converso com o cara que entra na fantasia e dá vida ao Garantido.

Também de barco conheço Maués, a terra do guaraná, e a Barreirinha do poeta Thiago de Mello. Entre Santarém e Óbidos refaço num barco-fantasma viagem que terminou em naufrágio e morte de mais de 300 pessoas. Continuo descendo o rio Amazonas e em Macapá piso ao mesmo tempo em dois hemisférios. Na Ilha de Marajó conheço Afuá e Soure. Depois, Belém, Tucuruí, a Serra Pelada dos 100 mil garimpeiros, a Xambioá da Guerrilha do Araguaia e a Serra dos Carajás.

Despeço-me do Norte a bordo do trem de passageiros da Estrada de Ferro Carajás. São 16 horas até São Luís, no Maranhão, onde abraço o Nordeste. Em Alcântara, piso a vaidade de dois antigos barões. Em Teresina compro Filé, um mico de madeira. Atravesso um contestado entre Piauí e Ceará, e me embrenho na caatinga. Procuro por Iracema na Serra do Ibiapaba. Conheço um cordelista em Fortaleza e em João Pessoa chego à Ponta do Seixas, o ponto mais oriental das Américas.

No interior de Pernambuco vejo o anjo cangaceiro que o escultor local foi proibido de entregar ao papa. Em Piancó, sertão da Paraíba, a história da Coluna Prestes e uma carnificina. Juazeiro tem o Padre Cícero e os votos dos fiéis, e Crato, que sediou um curral para conter a gente assolada por uma grande seca. Em Serra Talhada, a história de Lampião, que leva a visita à casa de Maria Bonita, em Malhada da Caiçara (BA). Completo o Nordeste com a Feira de Caruaru, Recife, Maceió, o antigo Quilombo dos Palmares, depois a Canudos de Antonio Conselheiro, Aracaju e Salvador. 

Ruínas em São Miguel das Missões, no Rio Grande do Sul – Jonas Reis/Arquivo pessoal

No Sul a viagem começa pelo Chuí, onde chego de ônibus, vindo de Montevidéu. Sigo para Pelotas, sob chuva intensa. Continuo subindo e em Bagé pesquiso a Guerra dos Farrapos. O Cerro do Jarau, em Quaraí, guarda a lenda da Salamanca, que conheci na obra de Érico Veríssimo. Ao longo da estrada, o motorista me conta sobre tesouros enterrados ali, deixados por famílias que fugiam das revoluções. Da Alegrete de Mário Quintana sigo para a São Borja de Getúlio Vargas e João Goulart. Depois, a região e a história dos Sete Povos das Missões. E Porto Alegre.

Em Santa Catarina, Laguna guarda a história de Anita Garibaldi. Passo por Criciúma, Serra Catarinense e a Caçador dos movimentos messiânicos. Na sequência, Blumenau e Florianópolis e suas comunidades açorianas. Em Curitiba pego o trem da Serra do Mar para viagem de 110 quilômetros de mata atlântica. Foz do Iguaçu das cataratas e da Ponte da Amizade fecha o percurso na região.

Tanto já se disse do Sudeste que apenas passo pela região. Mas Minas Gerais são muitas, não pode ser ignorada. No Espírito Santo, deixo Vitória e na vizinha Cariacica tomo o trem da Vale para percorrer toda a Estrada de Ferro Vitória a Minas. O destaque do percurso é o rio Doce, ferido de morte pela tragédia ambiental de Mariana. Sigo para Belo Horizonte e lembro visita aos índios Krenak e caminhos percorridos em Caxambu, a Três Corações da casa em que nasceu Pelé, e Lavras Novas. São Tomé das Letras é bucólica e mística e nela assisto ao pôr do sol do alto da Casa da Pirâmide. Felixlândia integra o Circuito Guimarães Rosa e me lembra o “Grande Sertão: Veredas” da tocante solidão de Riobaldo e Diadorim. O destino final é Paracatu, de onde partirei para o Centro-Oeste.

Jornalista e escritor Jonas Reis, que viajou por vários cantos do Brasil – Arquivo pessoal

A caminho de Brasília, um ex-salva-vidas de rodeio me conta suas aventuras na arena, diante de touros de uma tonelada de peso. Deixo o Distrito Federal, passo pela agradável Pirenópolis e vou em busca do povoado de Lagolândia, onde conheço a casa e a história da Santa Dica de Goiás. De Goiânia vou a Goiás Velho e aqui, num belo casarão branco, me debruço sobre o rio Vermelho da poesia de Cora Coralina. Sigo para Campo Grande (MS), e depois conheço Aquidauana, onde se fixaram soldados que lutaram a Guerra do Paraguai.

Em Cuiabá (MT), me desmancho em suor. Mas sigo para Rondônia e em Ji-Paraná a sensação térmica bate 42 graus. Passo por Porto Velho e na noite de Natal estou a bordo de um ônibus para Rio Branco, no Acre, onde terminaria a viagem. Antes do embarque converso com uma garotinha que me garante que Papai Noel não se esquece de quem passa o Natal no ônibus: “As renas voam!”

Quer mais? Está tudo contado em detalhes em meu livro “Viagem à Alma do Brasil” (e em sua edição em inglês, “Trip out to the soul of Brazil”), disponível em várias plataformas digitais. 

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Aviso aos passageiros 1: Se você se interessou por um ou mais destinos dessa longa expedição pelo Brasil, o caderno Turismo, da Folha, tem uma página que reúne informações sobre vários locais, no Brasil ou fora.