Chegar ao topo do Kilimanjaro é luta contra a natureza e nosso interior, diz leitor
O monte Everest, no Nepal, dominou o noticiário recentemente com o ‘congestionamento’ de alpinistas, quando inúmeros montanhistas inexperientes queriam chegar ao ponto mais alto do planeta, a 8.844 metros.
Pouco se lê, porém, sobre o local mais alto da África, o monte Kilimanjaro. No norte da Tanzânia, “a montanha sem fim” (significado do nome) tem 5.895 metros.
O leitor Marcelo Lemos, autor do livro “História de Savanas e Glaciares Africanos”, nos conta em detalhes como conseguiu, em sua 2ª tentativa, chegar ao topo do Kili (carinhosamente chamado por montanhistas). Ele aproveitou a viagem ao lado da esposa, Bruna, para ir também a parques tanzanianos e ver animais típicos do continente.
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Meu interesse pela África surgiu na infância, ao admirar fotos e filmes em que as cenas da savana e a vida animal me faziam sonhar em vê-las pessoalmente. Em paralelo, o montanhismo exerceu um fascínio que trouxe amizades, perseverança e valorização do simples.
A combinação da geografia africana e montanhismo me levou ao majestoso Kilimanjaro, ponto culminante daquele continente, em 2000. Seus 5.895 metros de altitude representaram uma visão dramática em meio à vastidão plana da savana. Mas não consegui atingir seu cume devido a problemas de aclimatação.
Retornar passou a ser um grande desafio, e consegui reunir as condições uma década depois. Em fevereiro de 2011, com minha esposa, retornei à Tanzânia, país em que não só o Kili é suntuoso, mas também outros vulcões, lagos, fauna, sítios arqueológicos que formam uma paisagem digna de grandes aventuras, algo que me motivou a escrever o livro “História de Savanas e Glaciares Africanos”.
Nosso voo teve uma escala em Amsterdã antes de pousar em Nairóbi, capital do vizinho Quênia. Nosso guia, o simpático Silvano, já nos aguardava para seguirmos por via terrestre para a Tanzânia em um micro-ônibus. Atravessamos a fronteira na cidade de Namanga sem maiores burocracias e seguimos para Arusha.
Nós brasileiros somos bem recebidos nesse canto do mundo. O pessoal sempre comenta algo sobre nosso futebol. Há uma opção mais direta que é o voo até o Aeroporto Internacional de Kilimanjaro, perto de Arusha, e operado por grandes companhias aéreas europeias. Optei pelo roteiro mais longo para relembrar minha primeira viagem.
Para facilitar a adaptação à altitude, realizamos uma ascensão prévia do monte Meru, com 4.566 metros e distante 80 km do Kilimanjaro. Durante três dias, experimentamos a sensação de andar na borda de um vulcão com meia cratera, pois parte explodiu nos tempos em que era ativo.
Por ser menos conhecido, o Meru é uma excelente opção para aqueles que desejam a introspecção que o silêncio das montanhas proporciona, além de ser mais econômico e poupar os caminhantes do desgaste da altitude. A estrutura dos campings também é boa. Cada quarto comporta grupos de até 4 pessoas e há um amplo refeitório.
Com o aquecimento no Meru, estávamos preparados para o Kilimanjaro. O 1º dia foi percorrido na floresta, silenciosa, imensa, cativante, durante cerca de seis horas.
O 2º dia descortinou o Kibo, o vulcão mais alto de um conjunto de três vizinhos que se fundiram em tempos remotos para formar o maciço do Kilimanjaro. O reluzir das neves convida os postulantes ao cume a caminhar de forma involuntária em sua direção.
O 3º dia protagonizou as primeiras visões da vastidão da savana que se estende aos pés do Kilimanjaro. A água formada naquela altura constitui uma riqueza para o solo, que fornece a fertilidade que garante a vida nos arredores por séculos.
O 4º dia inicia imediatamente em um íngreme paredão. A caminhada é lenta, há engarrafamento humano nas vertentes cujo precipício está a meros três metros de nós querendo tragar vidas. Os carregadores com seus pesados fardos sobre as cabeças gritam implorando por passagem. Com sofreguidão, o paredão é vencido após uma hora e meia de caminhada. Este dia marca a aproximação para a crista que deverá ser vencida no dia seguinte –o dia do cume.
À meia-noite e meia do 5º dia começa a longa jornada em zigue-zague para o cume (exato, você terá umas oito horas de descanso entre o fim do 4º dia e a arrancada para o cume). Os guias cantam na madrugada canções como se fossem mantras para anestesiar os peregrinos do frio, cansaço e da longa madrugada. Você implora pelo nascer do sol enquanto inserido no frigorífico de -20°C e o vento gélido vindo de um mundo sem vida conspira para te fazer voltar.
Os elementos naturais são nossos adversários nesta luta que travamos, na verdade, com nossos interiores. Nesses momentos, descobrimos a resposta à pergunta “por que subir isso tudo, pra quê?” Temos um desejo interior de vencer desafios, de conquistar, e estar em comunhão com Deus.
O cume surgiu logo após o nascer do sol, indescritível por sua beleza. Neve próxima à linha do Equador, algo impossível de ser concebido no século 19. O abraço em minha esposa em meio às lágrimas é um gesto que traduz melhor do que muitas palavras a sensação de estar no topo da África. Aproveitamos para abrir a bandeira em homenagem ao nosso filho, que ficou no Brasil.
Animais na África
Cumprida a etapa de desgaste físico, chegou o momento de contemplar a multiplicidade da vida animal nos safáris. Começamos pelo Parque Nacional Tarangire, famoso pela presença de elefantes e pela maior concentração de baobás do mundo.
Próxima etapa, Parque Nacional do Lago Manyara. Apesar de pequeno, ideal para visitação em um dia, como fizemos, oferece em cada curva na parte florestal a possibilidade de alguma visão inesperada.
No dia seguinte, seguimos para o parque mais famoso da África, o Serengeti. É estranho, você percorre muitos quilômetros de estradas poeirentas e desconfortáveis até entender que assim deve ser. Um lugar que não pode mudar, que deve permanecer selvagem. Se a humanidade exterminar a última espécie viva no planeta, o Serengeti será o lugar em que a vida deverá recomeçar.
E não é por acaso que durante muito tempo os sítios arqueológicos vizinhos, como o visitado Olduvai Gorge, foram apontados como o berço da humanidade. Outra interessante experiência foi visitar uma aldeia Masai, os célebres guerreiros africanos, para conhecer seu modo de vida. Ambos os passeios são rápidos e podem ser incluídos no caminho para o Serengeti.
O Serengeti possui 1/3 da área do estado do Rio de Janeiro, testemunha anualmente a maior migração de animais de grande porte do planeta. Milhões de gnus e de zebras em busca de melhores pastos e fontes de água, trazendo em seu rastro os carnívoros. Tivemos o privilégio de avistar todos os felinos de grande porte da savana –leões, leopardos e guepardos– a meros dez metros. Mas sair do veículo utilizado nos safáris? Jamais!
O passeio deveria finalizar em um lugar mágico, ímpar. Para tal, a cratera do extinto vulcão Ngorongoro foi a melhor indicação. No fundo da cratera, com 20 km de diâmetro, a vida animal mantém-se preservada desde fins da Primeira Guerra Mundial. Um lago que ocupa cerca de 10% de sua superfície atrai flamingos.
O local é um dos poucos parques tanzanianos que abriga o quase extinto rinoceronte negro. Em sua “caçada” para a melhor foto, nos esquecemos por um momento dos demais animais. E o “troféu” da “caçada” é o disparo de uma foto magnífica!
A Tanzânia guarda tantas opções. Seu litoral testemunhou as grandes navegações dos séculos 15 e 16; a Ilha de Zanzibar serviu de entreposto comercial para navios de diversas bandeiras; vários outros parques nacionais repletos de vida animal. Enfim, sua diversidade paisagística certamente encantará o turista adepto da vida ao ar livre.
Dicas:
– Deixe para negociar seus passeios quando chegar na Tanzânia. Qualquer intermediário irá encarecer o orçamento da viagem. Se houver interesse em esclarecer dúvidas, sugiro entrar em contato com o guia que utilizei (Silvano Hamisi – siladv@yahoo.com);
– O inglês é amplamente falado em virtude dos tempos do domínio inglês no século passado;
– Gorjetas são uma praxe ao fim dos passeios;
– Meses de verão e inverno são os melhores para as montanhas, por serem mais secos. Os safáris podem ser feitos em todos os meses do ano;
– O visto pode ser obtido na chegada.
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Aviso aos passageiros 1: Caso você esteja programando uma viagem para a África, na Namíbia é possível acampar em dunas, dormir com zebras e acordar ao som de hipopótamos, além de ver baobás gigantescos
Aviso aos passageiros 2: Mais ao sul, na África do Sul, turistas podem ficar hospedados ao lado de feras da savana