Fotógrafo conta suas impressões sobre o Irã, país de constantes surpresas

Países do Oriente Médio não costumam estar na lista de destinos prediletos dos brasileiros. Por isso que fiquei feliz quando o fotógrafo Sidney Dupeyrat me escreveu querendo compartilhar sua viagem para o Irã.

Ele visitou o país em outubro de 2013, alguns meses após se formar em Comunicação Social – Habilitação Publicidade e Propaganda, na UFRJ. Para finalizar a graduação, ele estudou estratégias de branding e publicidade nas sociedades muçulmanas. Tema complexo, não?

Abaixo, ele descreve o caos de Teerã, a capital iraniana, e também a paixão do povo por parques, onde “as pessoas fazem piquenique, leem, praticam esportes, passeiam, assistem a algum concerto ou apresentação, flertam”.

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O Irã é um dos países menos acessíveis para os brasileiros. Fica longe, tem uma cultura muito distinta e é muitas vezes reduzido à elite política e religiosa —o que torna ainda mais difícil entendê-lo. Viajar pelo país persa é ser constantemente surpreendido, é garantir que os dias passados neste pedaço do Oriente Médio serão um exercício diário de descobertas.

Resolvi visitar o Irã após terminar a graduação. A produção na faculdade da tese de conclusão de curso com uma temática ligada ao país fez com que o interesse em ver o local com meus próprios olhos aumentasse após tanto tempo consumindo informações sobre o Irã. Uma coisa era estudar daqui do Brasil; outra, completamente diferente, seria estar lá.

Peguei então o avião rumo a Teerã. Me aproximo da capital de madrugada e, da aeronave, vendo a cidade de cima, pouco podia ver além das fracas luzes das ruas. O Irã demoraria um pouco mais a se mostrar para mim. Mas cheguei, e isso era o importante.

Desembarco, tomo o táxi e logo chego ao hotel no centro da cidade. Durmo algumas poucas horas, a ansiedade típica dos viajantes recém-chegados não me deixa descansar mais. Assim que o sol aparece, saio com o objetivo de me perder para explorar a cidade.

A primeira constatação: Teerã é caótica, ainda mais que as nossas metrópoles. A paisagem, dominada pelo tom cinza e café das construções e edifícios, é povoada de vida. Pessoas, motos, carros e ônibus disputam o pouco espaço das vias. Andar no centro da capital iraniana é observar um movimento constante somado ao ruído às vezes ensurdecedor. Um somatório de pessoas falando, vendedores de rua gritando, veículos andando e buzinas tocando —elas são muito utilizadas.

O trânsito no Irã, aliás, merece uma menção à parte: as regras não são cumpridas. Motos trafegam pelas calçadas, carros não respeitam os sinais vermelhos, pessoas atravessam as ruas —ou tentam— em qualquer lugar. Ser pedestre, passageiro ou motorista no país é ser personagem de um filme de aventura, onde cada um faz o que bem entende. A anarquia do povo no contexto do trânsito está presente na paisagem das ruas e também nos mínimos detalhes.

Mas também é possível escapar dessa confusão tehrani e absorver a personalidade gentil dos locais. Os iranianos possuem forte apreço pelos jardins, desde os tempos do zoroastrismo. E na capital não poderia ser diferente: os parques são talvez os principais pontos de convívio de seus habitantes. Neles, as pessoas fazem piquenique, leem, praticam esportes, passeiam, assistem a algum concerto ou apresentação, flertam. Teerã, uma cidade de 8 milhões de habitantes, oferece muito verde para que seja possível escapar da correria e dos problemas do dia a dia.

Dois dos principais parques da cidade são o Laleh —localizado na região central e que abriga o Museu de Arte Contemporânea e o Museu do Tapete, que valem a visita— e o Mellat —situado no norte, área nobre de Teerã e com vista para a montanha Alborz. Mas a principal área verde da cidade é o Sa’dabad, complexo gigante que conta com diversos palácios que hoje funcionam como museus.

No entanto, não é só de parques que vive Teerã. Como capital de um país com tanta história, o berço do Império Persa, são vários os lugares para admirar a rica herança cultural da nação. O principal é o Palácio Golestan, o monumento histórico mais antigo da capital que abriga um grupo de edifícios reais da época Qajar. Datado de aproximadamente 400 anos, impressiona o cuidadoso trabalho de pintura dos azulejos das fachadas dos edifícios, bem como o longo lago retangular que ocupa o centro do espaço.

Saindo do Golestan, outra visita obrigatória ali perto é o Grand Bazaar. Os bazares iranianos são verdadeiras instituições do país, e o de Teerã também vale muito a ida. Para o turista estrangeiro, entrar nesse mercado é uma experiência única, principalmente porque costuma ser o primeiro a ser visitado —Teerã é o ponto de partida da viagem pelo país. Adentrar os bazares em horário de pico é ser literalmente levado por um rio humano que atravessa as vielas labirínticas em busca de qualquer coisa —de temperos a tapetes. Também é uma oportunidade para interagir com os locais, sempre curiosos em relação aos estrangeiros. Na saída do bazaar, fiz amizade com uma família dona de uma das lojas. Me deram pistache, e quando descobriram que era brasileiro, perguntaram curiosos como é ir a uma discoteca —as casas noturnas são proibidas no país.

Fora da capital

Saindo de Teerã, peguei uma carona com amigos iranianos em direção a Esfahan —uma das antigas capitais do Império Persa e que de tão bonita é conhecida como “a metade do mundo”. O primeiro destino na cidade, naturalmente, seria a magnífica Naqsh-e Jahan: considerada uma das praças mais bonitas do mundo, reúne alguns dos principais locais da cidade, muitas pessoas e a alma de todo um povo. Rodeadas por duas deslumbrantes mesquitas, um belo palácio e o melhor bazar do país, faz com que ao entrar no imenso pátio interno tenhamos a mais cruel das dúvidas dos turistas: não sabemos por onde começar.

A Grande Mesquita Sheikh Lotfollah é a que mais me impressionou em todo o país. Sua imensa cúpula azul e amarela faz termos certeza de que chegamos no paraíso; e que ele se encontra ali, naquele ponto da região central do Irã. Se você tiver sorte, irá presenciar alguém cantando, e verá como a arquitetura persa pode fazer mágica com os sons. A Mesquita do Imã Khomeini, situada na parte sul da praça, também é muito bonita com seu imenso pátio interno.

No lado oeste, o palácio Ali Qapu impressiona pela beleza singular da arquitetura, das pinturas no interior do edifício e da bela vista do balcão para toda a praça e as duas mesquitas. Na ponta norte da Naqsh-e Jahan, se encontra o Grand Bazaar de Esfahan, um local ótimo para fazer compras —destaque para os artigos de porcelana— e observar o movimento típico dos grandes mercados daquele país.

Deixo a praça para voltar ao hotel e me encaminho em direção ao seco rio Zayandeh. Ali, me deparo com a ponte Khaju, que mais que um local de passagem, é um ponto de encontro. Pessoas de todos os locais da cidade estão ali não para andar, mas para ficar. E, ficando, cantam. E, cantando, traduzem a alma de um lugar. Os diferentes cantos reverberam por todos os poros do ambiente, formando outros sons. É a arquitetura persa construindo, junto de seu povo, um novo tipo de arte: a música. E que sublime é poder contemplar isso.

De Esfahan vou para Shiraz, a cidade dos poetas e jardins. Nela, vejo a mesquita mais colorida do Irã: a Nasir al-Mulk. A dica é chegar bem cedo, a tempo de ver os primeiros raios de sol penetrando os vitrais coloridos da fachada para tingir o interior da construção num espetáculo de luzes e cores. Difícil começar melhor o dia. De lá, me encaminho para o Vakil Bazaar —o mercado mais bonito que conheci. Nele, não sabia se direcionava meu olhar para as mercadorias ou para o teto, que sempre tinha alguma surpresa para oferecer.

O que mais me impressionou em Shiraz foi o Hafezieh, o túmulo do poeta Hafez. O espaço possui um lindo jardim, onde as pessoas vão confraternizar. Mas muitos outros vão render homenagem ao velho poeta; se ajoelham ao lado da tumba e, enquanto choram, recitam versos do artista. Os iranianos lamentam a morte de um poeta morto há mais de 600 anos como se fosse a de um amigo recém-falecido, e isso diz muito sobre como, apesar da passagem do tempo, a obra de um grande artista segue viva no coração de um povo. E o coração iraniano transborda poesia.

Após conhecer Shiraz, fui visitar Persépolis —antiga capital da Pérsia. Impressiona as ruínas existirem após tanto tempo, e passar pelo Portão de Todas as Nações é ter a certeza de que ali foi, um dia, o centro do mundo. E também de que o Irã de hoje é um destino único. Saio do local e busco o ônibus para voltar a Shiraz. Ao meu lado senta um rapaz que pouco fala inglês, mas que deseja muito conversar. Me pergunta: “Iran, good or bad?”. A minha resposta não poderia ser diferente; “Very good”.

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