Em sua 1ª viagem sozinha, ciclista pedalou mais de 30 dias pelo Reino Unido
A funcionária pública Cândida Brenner de Azevedo viaja há algum tempo de bicicleta, tendo no currículo um destino fora do comum para quem pedala: Alasca.
O que ela conta para o Check-in, porém, é como foi a sua primeira viagem de bike totalmente sozinha, pelo Reino Unido, em junho de 2018.
A cicloviajante ficou mais de 30 dias na estrada e passou por Inglaterra, Irlanda, Irlanda do Norte, País de Gales e Escócia.
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Sempre tive o sonho de conhecer o Reino Unido, em especial a Inglaterra. Não sei bem ao certo o motivo, se pelo fato de ter reis, rainhas, príncipes e princesas, o que remete a infância, ou pela educação que dizem ter o povo inglês. Sei que sempre foi um local que chamou minha atenção.
Em julho de 2017, ao voltar de uma cicloviagem, pensei: Por que não fazer uma viagem de bike pelo Reino Unido, juntando a paixão pela bicicleta e o desejo de conhecer a terra da família real britânica? Logo que essa ideia surgiu, já fui pesquisando e verificando a viabilidade da jornada. A fase pré-viagem me fascina: adoro planejar, pesquisar, estudar possibilidades e logística.
Próximo do dia de partir, meu companheiro desistiu de viajar. A dúvida surgiu: vou sozinha ou adio o plano? Refleti muito e, depois de uma semana, decidi que iria, sim, realizar meu sonho e do jeitinho que planejei, de bicicleta. Seria uma experiência incrível, a bike e eu, pelo Reino Unido.
Chega o grande dia, hora de partir, rumo a Londres.
Aproveitei Londres por três dias, conheci muitos pontos turísticos e assisti a musicais. No terceiro dia montei a bicicleta e organizei a bagagem para pegar a estrada até Dover. Sair da capital foi bem complicado, muito movimento e desrespeito por parte dos motoristas —um momento de bastante estresse. Passado o sufoco, foi só desfrutar das belas paisagens.
No meio do caminho, não sei bem em qual cidade, parei para acampar. O município era pequeno e o camping nada acolhedor. Nem banheiro tinha. Como estava bem cansada, não quis ir até a próxima cidade e acabei ficando ali mesmo. Montei a barraca, tomei banho de lencinho umedecido e descansei. A saída de Londres foi tão tensa que eu estava com muita dor nos ombros.
No segundo dia de pedal cheguei a Dover, cidade litorânea, que encanta com suas falésias e seu grande castelo. Fiquei um dia para passear e conhecer suas belezas.
De lá peguei a estrada novamente com destino a Southampton. No caminho, dormi em Hastings e Worthing. O trajeto foi muito bonito, belas praias, falésias e um interior lindo de se ver. Os cenários eram maravilhosos e a altimetria ajudava muito, quase tudo plano, mas o vento contra era terrível. Isso fez com que, no final do dia, o peito e o rosto doessem.
Em Southampton aproveitei para conhecer Stonehenge. Fui até Salisbury de trem (deixei a bicicleta no hostel onde estava hospedada) e de lá peguei um ônibus para o famoso ponto turístico.
Lá, mudei os planos e acabei indo direto de ônibus a Liverpool, pois verifiquei que o trajeto que faria tinha muito trânsito de carros. Foi o único veículo que peguei com a magrela em toda a viagem.
A cidade me encantou muito. Visitei o Museu dos Beatles, fui no Cavern Club, caminhei no Albert Dock, no Pier Head, foi muito agradável. De Liverpool, eu pegaria balsa até Dublin.
Para meu espanto, a balsa não aceitava bicicleta ou passageiros a pé, então fui pedalando até Holyhead, no País de Gales.
O trajeto foi uma grata surpresa, e fiz um dos pedais mais lindos da viagem até então, pela Snowdônia. No País de Gales dormi nas cidades de Rhyl, Llanrug e Holyhead. Em Holyhead peguei a balsa para Dublin.
O modo como transportam as bicicletas nas balsas é muito bacana. Ela vai montada, com alforje e tudo, e não foi preciso tirar ou desmontar nada. Eu fui pedalando até o porto e lá entreguei a bike para ser acomodada junto com os carros e caminhões.
Ao entregá-la para o funcionário me deu uma tristeza e uma sensação de solidão, pois estava me afastando da minha companheira de viagem. Foi um sentimento muito estranho. Não sei muito bem descrevê-lo, mas foi triste ver a bike ser conduzida por outra pessoa e não estar com ela ao meu lado.
Em Dublin, reencontrei a magrela e fui pedalando do porto até o local onde ficaria hospedada. Pude cruzar toda a cidade de bicicleta, o que foi muito legal. Na capital irlandesa, em quase todas as ruas tem ciclovia, e os motoristas respeitam o ciclista. Passeei por lá e visitei museus, castelos, prisões, bibliotecas e pubs.
De Dublin fui para Belfast, capital da Irlanda do Norte, e dormi nas cidades de Stabannan e Portadown. Confesso que eu não conhecia muito sobre o país e sua capital, e só fui aprender mais sobre eles na pesquisa da viagem.
Belfast me surpreendeu. É muito bonita e organizada. O que impressiona é a rivalidade entre católicos e protestantes e o muro que divide parte da cidade, tendo até um portão que é fechado a noite para evitar o fluxo de pessoas e veículos. Em Belfast foi construído o navio Titanic.
De lá peguei uma balsa para a Escócia, para Cairnryan. Dessa vez, o embarque da bicicleta foi diferente: eu entrei com ela no porão da balsa e a acomodei numa sala. Como sabia onde ela estava, não tive a impressão de que a gente estava se separando. Só que entrar na balsa de bike foi assustador, pois segui com os caminhões e os carros, parecia que ia ser “esmagada”. Mas foi só impressão, porque os motoristas foram respeitosos.
O pedal pela Escócia era o mais esperado, pois sabia que as paisagens seriam lindas, mas a altimetria do pedal iria castigar um pouco. Eu estava bem tensa no início, tinha medo de não dar conta.
Estava iniciando a parte final da viagem. O destino era Inverness, mas antes pedalei até Glasgow, passando por praias lindas. Para chegar lá dormi na cidade de Ayr.
Em Glasgow visitei catedrais, cemitério, museus e dei uma esticada, de ônibus, até Edimburgo. A capital é encantadora, com seus castelos, parques, a cidade antiga e a nova. É um dos grandes municípios mais bonitos que visitei na viagem.
De volta a Glasgow, peguei a estrada até o destino final, Inverness, dormi em Ardlui, Glencoe e Fort Augustus. O trajeto foi incrível, pedalei por montanhas e lagos, entre eles o Ness, conhecido por “abrigar” um monstro.
A paisagem das terras altas escocesas é incrível, é tanta montanha que a gente se sente pequeno. O caminho até Inverness, apesar da altimetria, foi feito com muita tranquilidade, pois o cenário era tão lindo que as subidas se tornaram pequenas.
Foi tão tranquilo que eu me assustei ao perceber que tinha vencido a altimetria sem me dar conta. As pernas nem reclamaram. Esse trecho realmente foi um dos mais lindos da viagem. Na minha opinião, só perdeu para a Snowdônia, no País de Gales.
O último dia até Inverness, onde pegaria o voo para voltar ao Brasil, foi de uma mistura de sentimentos. Eu estava eufórica, feliz por estar concluindo um sonho, de pedalar, sozinha, por lugares que eu queria muito conhecer, mas também estava triste pela viagem estar chegando ao fim. Foi um pedal de reflexão, de despedida.
Cheguei ao destino final meio sem acreditar que tudo havia dado certo, que eu tinha dado conta de pedalar aproximadamente 1.500 km, durante mais de 30 dias, sozinha, pelo Reino Unido.
A viagem transcorreu tão bem, sem incidente, sustos ou problemas na bike —nem pneu eu furei—, que eu nem acreditava. Até o tempo colaborou: eu não peguei chuva na viagem, todos os dias foram ensolarados, céu azulzinho!
A experiência de viajar sozinha foi incrível. Não senti solidão em nenhum momento. A minha companhia não me incomodou. Pelo contrário, foi maravilhoso passar esse tempo comigo mesma. Fiquei feliz de ter tido coragem de enfrentar esse desafio, pois seria muito mais fácil ter adiado o sonho e esperado por companhia para realizá-lo.
Com essa viagem aprendi que o céu é o limite quando a gente tem coragem de sair da zona de conforto do nosso dia a dia e de enfrentar os nossos medos.
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Aviso aos passageiros 1: O cicloviajante Nestor Freire contou ao Check-in como foi viajar de bike para os dois extremos do mundo: Ushuaia, no extremo sul da Argentina, e Nordkapp, no limite setentrional da Noruega
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