Casal roda o Brasil e a América do Sul em um carro 1.0

Já mostrei aqui a história do casal Alessandra e Leo, que têm como meta cruzar o mundo num motorhome, e do Lucas e da Eve, que estão rodando a Europa a bordo do motorhome Rogerinho.

Agora, apresento o casal de jornalistas João Paulo Mileski e Carina Furlanetto, do @cronicasnabagagem.

Os gaúchos de Bento Gonçalves (RS) estão na estrada há mais de 1 ano, e o objetivo é dar a volta na América do Sul e cruzar todos os estados brasileiros. E a bordo de um carro 1.0. Desafiante, né?

Eles já percorreram Uruguai, Argentina, Chile, Bolívia, Peru, Equador, Colômbia, Venezuela e Guiana.

No momento, por causa da pandemia de coronavírus, eles estão confinados no Recife, onde vive a irmã da Carina.

“Estávamos começando o desafio de passar por todos os estados do Brasil quando a pandemia começou, agora tudo é incerto. Vamos analisar a evolução das notícias e decidir se continuaremos esperando aqui ou se voltamos ao Sul para encerrarmos a expedição prematuramente e nos dedicarmos ao livro sobre as nossas experiências. O principal, agora, é que estamos seguros.”

Entre os perrengues enfrentados, o casal dormiu inúmeras noites no próprio carro, apenas baixando os bancos.

O que eles gostam de contar, porém, é o que a estrada ensina. E isso eu vou deixar vocês descobrirem lendo o relato deles.

Eu sei que em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Por muito tempo esperamos pelas condições que se convencionam como ideais para uma viagem sem destino ou prazo. Aos 30 anos, no entanto, chegamos à conclusão de que talvez as condições nunca seriam as ideais.

Com mais alguns anos de trabalho, pode ser que até conseguiríamos economizar o dinheiro necessário para comprar um motorhome, mas talvez o ímpeto de sair pelo mundo já não fosse mais o mesmo.

Por isso, no dia 18 de fevereiro de 2019, saímos de casa com o que tínhamos, da forma que podíamos: um Renault Sandero 1.0 e o desafio de dar a volta na América do Sul, do Ushuaia à Venezuela, e na sequência percorrer todos os estados do Brasil.

Alugamos nosso apartamento, somamos o que tínhamos na poupança e estimamos que seria possível nos manter por todo esse tempo na estrada se não gastássemos mais do que R$ 100 por dia.

Desde então, mais de um ano se passou, rodamos 46 mil quilômetros por 10 países e estamos no nosso sexto estado no Brasil. A média de gastos está um pouco acima do previsto —R$ 113 por dia—, muito em função, também, da perda com câmbio lá fora e de imprevistos que surgiram ao longo da expedição, como os furtos do celular do João, dentro de um ônibus em Quito, no Equador, e de um pneu quando estávamos a caminho de uma borracharia, em um mototáxi, no Peru.

No Brasil, no entanto, estamos sendo muito bem acolhidos e acreditamos que em breve conseguiremos voltar à meta inicial de gastos.

Se tudo der certo retornaremos para a nossa casa, em Bento Gonçalves (RS), em aproximadamente um ano. À esta altura já não teremos mais dinheiro na poupança e vamos ter que recomeçar nossas vidas do zero. Ainda que as rotinas venham a ser as mesmas de outrora, burocráticas e monótonas, no entanto, temos convicção de que nós já não seremos mais os mesmos.

Saímos de casa com apenas uma perspectiva de mundo e percebemos que vivíamos em uma bolha.

Na Argentina, conhecemos uma família de venezuelanos que estava tentando a vida longe do seu país de origem. Não tinham fogão, por isso usavam um fogareiro para cozinhar. Onde viviam, em Salta, faz muito frio no inverno, mas se viravam sem chuveiro quente.

Ainda assim, apesar das carências, abriram as portas do terreno da casa onde viviam de aluguel para que pudéssemos passar a noite com segurança. Fizeram isso não apenas conosco, mas com outros viajantes que passam pela cidade. Não cobram nada por isso, fazem pelo simples ato de solidariedade, acreditando que boas ações geram outras boas ações.

No norte do Brasil, também passamos por cidades e conhecemos famílias que não têm a mesma comodidade que tínhamos no Sul, mas, em contrapartida, escancaram algo que nos falta no outro canto do país: estão sempre sorrindo. Apesar da falta de recursos, não perdem a esperança e levam a vida com alegria, gratos pela bênção de estar vivos.

Reclamávamos de muita coisa antes. Se a temperatura da água no chuveiro não era a ideal, bradavámos contra o mundo. Se o colchão estava velho, reclamávamos também. Mas, de repente, ao longo dessa jornada, nos vimos quatro dias seguidos sem banho e chegamos a dormir 27 noites consecutivas no carro, sem nenhuma adaptação (apenas baixamos os bancos e dormimos, como se fosse um ônibus leito).

Mapa mostra rota do casal pela América do Sul e Brasil (Arquivo pessoal)

Voltaremos à nossa casa sem um tostão no bolso, mas o que estamos ganhando em troca não é possível ser mensurado por valor algum. Nunca mais seremos os mesmos porque passamos a ver a vida de outras formas.

Antes, olhávamos para o carro e desconfiávamos que seria possível viver por tanto tempo, com tão pouca coisa, em um espaço tão pequeno. Agora, olhamos para trás, para o nosso apartamento, e pensamos como conseguíamos viver com tantas coisas supérfluas ao nosso redor.

Abrindo mão de praticamente tudo o que nos cercava. Na estrada nos sentimos livres, de verdade, pela primeira vez. E descobrimos que não precisamos de muito para sermos felizes. Precisamos, apenas, viver.

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