Chile tem destinos deslumbrantes aos viajantes desbravadores, diz fotógrafo

O fotógrafo Sidney Dupeyrat já contou ao Check-in como sua viagem ao Irã, em 2013. Agora, ele traz, com detalhes, sua incursão pela Patagônia chilena.

Ele conheceu o país em 2018 e voltou em 2019, tanto para explorar o sul chileno quanto para rever a mulher que conhecera.

Na segunda visita ao Chile, o fotógrafo e a namorada Camila García foram à pequena cidade portuária Puerto Natales e Torres del Paine que, segundo ele, é “um dos parques nacionais mais impressionantes do mundo”.

Eu sei que em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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O Chile é um destino que tem se tornado cada vez mais popular entre os brasileiros. No entanto, ainda nos restringimos muito à capital Santiago e seus arredores e ao místico e badalado deserto do Atacama.

Nos esquecemos de que, mais ao sul, ali em direção à Antártica, o país andino pode oferecer destinos deslumbrantes aos viajantes mais desbravadores.

E bota deslumbrantes nisso.

Após uma primeira ida ao Chile em 2018, para conhecer a capital e o deserto, fiquei com a certeza de que tinha que voltar. Para rever a mulher que conheci em meio às estrelas do Atacama. E para vivenciar a gelada Patagônia.

Em março de 2019, parti então rumo ao final do continente com minha namorada chilena. O primeiro destino seria a cidadezinha de Puerto Natales, na região de Magallanes.

Puerto Natales, uma pequena cidade portuária, é utilizada como base para a ida a Torres del Paine, um dos parques nacionais mais impressionantes do mundo. No entanto, ela não deve ser relegada ao papel de um local de passagem. Merece ser destino.

O local é lindo. As casas, de no máximo dois andares, são super coloridas. E fazem um grande contraste com o céu –que ora está completamente azul para minutos depois ser coberto de nuvens. O clima patagônico é imprevisível e muda a todo tempo.

As nuvens de Puerto Natales, aliás, merecem o registro: são especiais. Possuem formas estranhas, às vezes se parecem com tornados e furacões, outras com diferentes bichos. Estão sempre presentes na região e dão vida ao céu: uma vez estando lá, é impossível não se pegar olhando para cima.

Após deixarmos as malas na pousada, decidimos ir ao Muelle Historico para observar o entardecer. O cenário no píer era de filme, com a abundância de água, as aves que sobrevoavam e caminhavam pelo local sem se preocupar com a presença humana, e o lento movimento das nuvens que devagar tomavam o espaço que antes era destinado aos raios de sol. Ali conhecemos o garoto Gabriel, de 6 anos, e a mãe.

Ela, publicitária, havia se mudado com o filho de Santiago para Puerto Natales em busca de uma vida com mais calma. O menino, muito curioso e extrovertido, falava sobre o corpo humano, os animais e a cidade que ainda estava sendo descoberta. A mãe explicava que o Gabriel, “um garoto contra o sistema”, não conseguia se adaptar à escola. E que talvez tivesse que mudar de colégio ou passar a estudar em casa. Enquanto isso, ele usava o píer como escola, e descobria a fotografia com a minha câmera, fazendo imagens da paisagem, dos animais e, sobretudo, retratos.

Quando for visitar o Muelle, vale caminhar alguns metros pela avenida costeira para conhecer também o Monumento al Viento, que homenageia algo tão característico da região.

À noite, saímos para jantar fora e experimentamos a Paila Marina –um tradicional ensopado chileno de mariscos. Vale muito aproveitar Puerto Natales, que tem muitos restaurantes com diferentes faixas de preço, para saborear esse e outros pratos chilenos, como o Caldillo de Congrio e o Ceviche.

No dia seguinte, fizemos o tour para as geleiras Balmaceda e Serrano. É um passeio mais de luxo, no qual você paga caro para navegar pelos canais da região. O barco é grande e confortável, o serviço de bordo é bom e a paisagem é muito bonita. A água, as montanhas, as nuvens, estão todos lá. No caminho, conseguimos observar pássaros que parecem pinguins e também leões-marinhos.

Primeiro chegamos próximo à geleira Balmaceda, e você observa do próprio barco o bloco de gelo. Por último, alcançamos o glaciar Serrano, e para avistá-lo é necessário seguir por uma trilha fácil de cerca de 50 minutos.

Na volta você visita uma chácara para experimentar a culinária local e no barco oferecem uísque e suco servidos no copo com gelo milenar –não é uma experiência de todos os dias, né?

Em seguida, chegou o momento do ponto alto da viagem: Torres del Paine. Separamos o primeiro dia no parque para fazer o trekking rumo à base das torres, que é o principal percurso do lugar.

Fizemos o caminho de ida e volta em cerca de 8 horas. Ao longo de um trajeto bem cuidado e super sinalizado, você sobe montanhas, passa por suas encostas, encontra rios e bosques.

Tem que ir preparado para o vento, que é muito intenso. Mas às vezes o sol aparece bem forte, então a dica é ir prevenido com algumas camadas de roupa, para ir colocando ou tirando conforme muda a sensação térmica.

A mescla de cores é uma constante ao longo do caminho. O verde e amarelo da vegetação se misturam ao cinza das pedras, ao marrom da montanha, ao azul do céu e ao branco da neve, visto lá longe.

Achei especialmente bonitas a área próxima ao acampamento Refúgio Chileno e o bosque que fica logo antes da subida final pelas pedras para a base das Torres.

O cenário da base é realmente marcante. O verde esmeralda da água, contornado pelas pedras, direciona o olhar para as torres, imponentes, mais à frente. É início de outono, então a pouca neve restante se concentra no início das torres, enquanto o sol alcança o topo das três, gerando uma variedade de tons e texturas.

Dá vontade de ficar ali por muito tempo aproveitando a paisagem, mesmo com a enorme quantidade de pessoas presentes. Fiquei imaginando como deve ser ali no inverno, em baixa temporada. A mistura de deslumbramento com o que estava diante de nossos olhos e o cansaço pelas quatro horas de caminhada nos fez aproveitar o local com muita calma, como deve ser.

No dia seguinte, alugamos um carro para percorrer outros setores do parque. Como não tínhamos tempo para fazer o circuito W –caminhada de quatro a seis dias– ou o O –de cerca de oito dias– seria essa a única alternativa para conhecermos um pouco mais desse lugar que nos encantou.

Saindo de Puerto Natales dá mais ou menos uma hora e meia dirigindo. Ao longo do caminho, pouco movimento e as placas com a inscrição “Ruta del Fin del Mundo”. Parece mesmo.

As vias pavimentadas dentro do parque são de boa qualidade, e é bem fácil se locomover de um ponto a outro. O caminho é recheado de montanhas, lagos, estepes, rios, cachoeiras e guanacos, animal típico da região.

É um contraste de paisagens e cores que dificilmente sairá da memória. O clima também varia bastante, e o céu patagônico é capaz de oferecer no mesmo espaço um azul intenso e as nuvens carregadas que anunciam a próxima chuva. Essa mistura de sol e água explica a grande quantidade de arcos-íris que pudemos observar no caminho. Um presente da natureza.

O Lago Nordenskjold é o que mais me marcou nesse passeio, pela cor vibrante da água e da vegetação ao redor. Também pela incrível vista da cadeia de montanhas logo na frente.

Mas o lago Grey também é belíssimo, com sua proximidade com as geleiras. Foi ali que melhor pudemos observar a potência da diversidade daquele céu mágico.

Outro ponto que vale a parada é a Cachoeira de Salto Grande.

Infelizmente era chegada a nossa hora. Ainda tínhamos outros locais para conhecer no sul chileno, e por isso começamos a deixar o Parque para tomar o caminho de volta para Puerto Natales.

Devagar. Seguindo o conselho do nosso guia no passeio pelas geleiras: “Aquele que vem à Patagônia com pressa perde o seu tempo”.

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Aviso aos passageiros 1: Por falar em fotógrafo, a Folha já mostrou algumas imagens de pumas feitas por João Marcos Rosa em sua expedição à Patagônia

Aviso aos passageiros 2: Se você gosta de imagens, há também as fotos da Nêssa Florêncio, que registrou as paisagens e as cores do Parque Nacional Torres del Paine