Adolescentes se aventuram em avião da FAB para ver The Cure no Rio
Esses tempos o leitor Lima Medeiros contou ao blog como foi sua experiência no show do Eagles, quando ele viajou a Portland para visitar a filha.
Esse relato inspirou o auditor do TCU Frederico Lopes de Almeida a relembrar a vez que viajou de Manaus ao Rio de Janeiro para ir à apresentação do grupo The Cure.
Mas não foi uma simples viagem. A equação envolveu um grupo de quatro adolescentes e um avião da FAB. E isso em 1987. É melhor eu não contar muito para não perder a graça do relato.
Em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.
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Sou servidor público, nascido em Pirassununga (SP) e criado no Rio de Janeiro. Desde 1999 moro em Brasília. Antes disso, morei na Venezuela e, aqui no Brasil, em vários lugares: São Paulo, Bahia, Manaus. É em Manaus que começa minha história.
Em 1987, eu e meus dois irmãos estudávamos no Colégio Militar de Manaus. Família classe média, meu pai era oficial da Aeronáutica e minha mãe, como então se dizia, era “do lar” —horrível descrição? Também acho.
McDonald’s ainda não chegara à capital do Amazonas e o jeito era passar às tardes na lanchonete Germana (Ou seria Germana’s? Não lembro. Mas não vou buscar no Google). Lá pedíamos um refrigerante e pronto. Ficávamos o dia inteiro vendo as meninas passar (chamávamos de “gatinhas”), fumando algumas besteiras lícitas, sentindo integrados ao mundo moderno e ouvindo “Livin’ On a Prayer”, “Take on Me”, “Enjoy The Silence” e coisas do tipo.
Entre as canções que serviam como fundo sonoro onipresente havia as do grupo The Cure. Robert Smith, o vocal da banda, com seus cabelos despenteados alucinados, emplacava uma música atrás da outra. Smith fazia o tipo rebelde, londrino, esquisitão, mas sabia fazer sucesso e, suponho, dinheiro.
Acho que até hoje devem tocar The Cure em algum momento da noite. Mas podem deixar que não ficarei enaltecendo os grupos mega-das-galáxias que povoaram os anos 80 do século passado. (Isso todo o mundo sabe). O fato é que curtíamos demais The Cure e tudo aquilo que vivíamos e ouvíamos na lanchonete Germana.
As tardes na lanchonete eram o ócio adolescente, mistura não muito recomendável. Ninho de sandices. Muitas coisas esquisitas elaboramos ali, meus irmãos e nossos amigos mais próximos. Até que, numa bela tarde, o radialista, antes de anunciar o novo sucesso do The Cure, comunicou que ele se apresentaria no Brasil.
Onde? No Rio de Janeiro? Onde? No Maracanãzinho. Com a notícia, a primeira sensação era a de que fomos traídos. Uns cinco meses antes morávamos na Rainha Elizabeth, em Copacabana, e tínhamos uma tia que vivia no bairro do Maracanã (sim, perto do estádio). Ou seja, se nosso pai não fosse transferido para Manaus, não teríamos muita dificuldade para ir ao show.
Então, não sei quem se saiu com esta: “Vamos lá?”. Um diretor de cena nem tão criativo lançaria close-ups em cada um de nós, apenas para registrar que ninguém deu a menor bola para aquilo. Mas meu irmão mais velho era uma espécie de líder e o mais sensato de todos:
— Vamos de FAB.
Bem… Claro… Se estou escrevendo aqui para o blog Check-in, é porque a coisa deu certo. Naqueles tempos havia o Correio Aéreo Nacional, o CAN. Por meio desse correio aéreo, qualquer cidadão (em tese, pelo menos) poderia pleitear um voo de graça em um dos aviões da FAB: Bandeirante ou Avro eram os mais disponíveis.
Como o leitor deve imaginar, um voo de graça patrocinado pela Aeronáutica é bem diferente de viajar numa Airways da vida. Para começar, não tínhamos certeza se havia algum avião da Força Aérea indo para o Rio na mesma época do show. O fato é que segunda devíamos estar de volta. Faltar segunda seria apenas tolerável, afinal Colégio Militar nunca foi local de perdoar alunos relapsos.
Além disso, simplesmente não sabíamos se haveria vaga para todos nós (os três irmãos e um amigo). Mas meu irmão mais velho era uma espécie de líder e o mais sensato de todos:
— Só vamos saber se será possível se a gente tentar.
Deu certo. Todos os astros se alinharam para nosso “vapt-vupt” ao Rio de Janeiro. Não apenas havia voo previsto para o Rio, como o voo coincidia com a data do show. Não apenas a data coincidiu, como o mesmo avião voltaria a tempo de ir à aula da segunda. Não apenas… Enfim. Coubemos nós quatro no Bandeirante da FAB, espécie de velho guerreiro das aeronaves nacionais.
Passados 33 anos desde aquele voo rumo ao Maracanãzinho para assistir ao The Cure, confesso que fiquei atônito com tamanha vontade do universo para que estivéssemos ali, na arquibancada do estádio, vendo ao longe o figuraça do Robert Smith frenético pelo palco, cantando “Close to Me” e todo o resto.
A acústica era horrível. O som saía ruim e a banda só podia ser vista em vultos bem miudinhos no palco distante cheio de fumaça de gelo seco. A galera vibrava muito com tudo, mas eu, meus irmãos e nosso amigo, Tavinho Lebô, ficamos… como direi… na raça.
O avião saíra de Manaus lá pelas cinco da manhã, parou em Alta Floresta (MT), depois em Brasília, depois em Uberaba (MG). Chegamos tarde da noite à casa da minha tia na rua Luíz Gama e fomos ver The Cure no dia seguinte.
Confesso agora. Pensei durante toda a viagem: o que não vai dar certo? Absolutamente nada deu errado. Cheguei aos 49, estou bem e meus irmãos também. Tavinho Lebô se foi há quase 21 anos (doze anos, portanto, após o show). É para ele que vai esta canção, não The Cure, mas B-52s, “Private Idaho”, pois essa aí, doido, nós sempre dançávamos. De deixar Robert Smith no chinelo.
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Aviso aos passageiros 1: O blog Lineup, da Folha, cobre grandes shows e festivais de música no Brasil e no mundo. Mesmo durante a pandemia, há shows rolando na internet
Aviso aos passageiros 2: O Virgin Money Unity Arena, um festival no Reino Unido, reuniu o público em cercados para cumprir distanciamento. Será esse o novo normal?