Casal conta como é viajar de motorhome pelo Brasil durante a pandemia
Durante a pandemia, muita gente passou a refletir sobre a vida em um motorhome. Afinal de contas, é uma alternativa a quem trabalha em home office e quer manter o distanciamento social. Por que não viajar por aí dentro de sua casa?
O Check-in já trouxe o relato de dois casais que estão percorrendo o mundo em um motorhome: o Lucas e a Eve, que estão rodando a Europa com o Rogerinho, e a Alessandra e o Leo, que têm como meta cruzar o mundo.
Em 2020, o casal Lucas e Maíra (@adiantes) começou a viajar pelo Brasil a bordo de seu Land Rover Defender, adaptado com barraca de teto, geladeira automotiva e equipamentos necessários para a empreitada.
Em junho e julho, foram três expedições curtas pelo Sudeste, quando os paulistas aproveitaram para testar o novo estilo de vida e, obviamente, o carro. Mas foi a partir de agosto que a viagem começou para valer.
Em tempos de coronavírus nossas viagens ficaram mais restritas. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.
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Os últimos 5 anos especialmente haviam sido muito atribulados com compromissos de viagens e longos plantões da vida profissional. Acabávamos tendo poucos momentos para desfrutarmos juntos ou para desenvolvermos outras habilidades e hobbies fundamentais, em nossa opinião, para uma vida equilibrada. As viagens de férias se tornaram os grandes acontecimentos do ano e isso “acendeu uma luz” sobre nossas verdadeiras motivações.
As conversas na mesa do café da manhã começaram a ser cada vez mais direcionadas ao sonho de descobrir mais sobre o mundo com a autonomia de um motorhome. Seria nossa nova casa em condições para acessar diferentes regiões ermas do globo em um ambiente minimalista. Tudo até então inédito para nós!
Não tínhamos experiência prévia com campismo, mecânica ou veículos 4×4 e contamos muito com a ajuda de uma comunidade unida, atuante e comunicativa de viajantes para não errar logo nas primeiras escolhas do projeto.
Vida na estrada em tempos de pandemia
Tudo caminhava a passos largos até que a pandemia chegou a galope para testar nossa capacidade de replanejar, algo que ainda não sabíamos que seria tão fundamental em uma viagem como esta.
Os respectivos empregos já estavam para trás, o carro comprado e em plena adaptação interna (móveis, isolamento térmico, hidráulica e elétrica). A partir dali só havia um caminho a seguir: “em frente” ou “adiante” como o próprio nome do projeto faz referência.
Decidimos que a saída programada para maio daquele ano seria postergada para agosto, o que nos daria tempo para planejar melhor os roteiros que agora seriam prolongados pelo Brasil em função do fechamento das fronteiras terrestres com outros países sul-americanos.
O interesse em conhecer o nosso próprio país e as diferentes características regionais ficou ainda maior neste novo panorama. Além disso, seria uma oportunidade única de dominar melhor todo o conjunto de sistemas e equipamentos que compunham o motorhome perto de pessoas e lugares que já convivíamos. Pensamos que é sempre melhor pedir os primeiros “socorros” em português do que em espanhol ou inglês.
Uma das partes de que mais gostamos neste processo de criar os roteiros pelo Brasil foi conectar todos os pontos de interesse em um país com extensões continentais. Foram mais de 15.000 km que uniram 15 estados por 30 estradas nacionais passando por 10 parques de conservação até o momento.
O leito do rio São Francisco, um conhecido trecho de integração nacional, foi ideal para iniciarmos. Os parques nacionais e estaduais espalhados por todo o país foram destinos recorrentes também para conciliarmos os atrativos de beleza natural que buscávamos com o distanciamento social necessário.
Ter uma casa itinerante compacta com certa autonomia para armazenamento de alimentos, água potável, armários, cama e cozinha permitiu deslocamentos rápidos se o cenário fosse de aglomeração, barulho ou perigo iminente. Quando hospedados em campings (cerca de 50% do tempo), a distância entre os viajantes, já frequente para manter a privacidade das famílias e casais, ajudava para mantermos o isolamento.
Encontramos pelos estados que passamos algumas cidades totalmente interditadas, o que demandou pequenas mudanças de curso. Na região da Chapada Diamantina, por exemplo, havia somente um município que estava apto a nos receber com segurança.
Em diversos trechos em que as estradas eram englobadas pelas cidades, houve medição de temperatura e os agentes de saúde locais perguntavam sobre nossa possível permanência. Notamos um tom muito mais informativo e de preocupação do município do que investigativo sobre nossa rota, destino final ou o que trazíamos conosco no motorhome.
Fomos informados sobre tais procedimentos e outros milhares de cuidados médicos necessários para uma viagem de longa duração junto ao setor de medicina do viajante do Instituto de Infectologia Emílio Ribas, em São Paulo. Depois de uma reunião detalhada por cerca de 3 horas com um grupo de médicos e residentes do setor, nos sentimos muito mais preparados para encarar a estrada com estes novos desafios impostos.
Motorhome em um veículo 4X4
Sabemos que o Brasil não tem um padrão único de qualidade em suas rodovias federais, assim como acontece também em outros países sul-americanos. Em certos trechos podemos encontrar faixas bem sinalizadas com serviço de S.O.S para eventualidades, porém em outros caminhamos em verdadeiras “superfícies lunares” com buracos e crateras imensas, sem quase nenhuma sinalização, iluminação ou posto de apoio.
Além disso, muitas regiões só podem ser acessadas através de estradas não pavimentadas que surgem como derivações das rodovias principais, como é o caso do Jalapão (TO), o encantador povoado de Atins, nos Lençóis Maranhenses, ou até algumas praias nordestinas que podem ser acessadas através de dunas ou por longos trechos de areia fofa.
Nesse contexto, optamos por construir nosso motorhome dentro de um veículo 4×4 (tração nas 4 rodas) que atenderia nossos principais objetivos do projeto. Como toda a escolha tem suas consequências, logo que estacionamos o carro na frente de casa já estávamos a todo o vapor planejando como encaixar tudo em 3 m2 e quais utensílios e mecanismos aguentariam a trepidação constante durante o roteiro.
A essa altura o motorhome 4×4 já se chamava Figueredo e a partir dali ganhou sofá-cama, pia, geladeira, bagageiro, churrasqueira no estepe, abrigava os principais apetrechos de cozinha (praticamente nada de vidro), travas resistentes para cada porta de armário e desde então nos abriga e conduz pelos diversos destinos que visitamos nos últimos 6 meses e em todos os outros que ainda pretendemos conhecer no ano que acaba de começar.
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Aviso aos passageiros 1: Minha colega Carolina Muniz contou na Folha que viagens de motorhome estão ganhando adeptos no Brasil e falou sobre custos e como se planejar
Aviso aos passageiros 2: O casal de jornalistas João Paulo Mileski e Carina Furlanetto viajou pelo Brasil e por países aqui da América do Sul a bordo de um carro 1.0. Eles, inclusive, acabaram de lançar um livro sobre a empreitada, o “Crônicas na bagagem: 421 dias na estrada – uma jornada de desprendimento pela América do Sul”