Check-in https://checkin.blogfolha.uol.com.br Relatos de turistas, dicas e serviços de viagem Wed, 01 Dec 2021 12:49:26 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Em cicloviagem pela Alemanha, professor vê castelos, campos e lagos https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/06/24/em-cicloviagem-pela-alemanha-professor-ve-castelos-campos-e-lagos/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/06/24/em-cicloviagem-pela-alemanha-professor-ve-castelos-campos-e-lagos/#respond Wed, 24 Jun 2020 18:50:28 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2020/06/xxx-1.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=408 Os adeptos da cicloviagem desse mundão já proporcionaram aqui relatos de expedições pela Islândia, Reino UnidoAmérica Latina e interior do Brasil.

Agora, é a vez do professor de alemão e tradutor Guilherme Spinelli falar sobre sua pedalada pela Alemanha. Logo antes de começar o semestre letivo, ele teve um período livre e organizou uma expedição de 1.200 km em 24 dias.

No caminho, visitou ex-alunos, se hospedou em casa de desconhecidos, atravessou a fronteira com a Suíça e vivenciou inúmeras experiências. Tudo isso acompanhado de uma bike que comprou pela internet, só olhando as fotos.

Em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Meu sonho era viajar de bicicleta de Blumenau (SC), cidade onde morava, ao Chile. Já havia começado a planejar a rota, comprar o equipamento necessário e procurar alguns parceiros para a viagem, mas a vida tomou outro rumo e vim estudar um semestre em Bremen, na Alemanha.

Como teria um pouco mais de um mês de férias antes das aulas começarem, decidi fazer um tour por aqui. Até porque, sendo professor de alemão, tinha alguns alunos que agora estavam espalhados pelo país estudando ou trabalhando e gostaria de visitá-los.

Procurei intensivamente na internet bicicletas usadas até que achei uma ideal para minha viagem e para o meu tamanho, e por um valor bem em conta. O problema era que ela estava a mais de 800 km de mim, em uma cidadezinha no sul da Alemanha, perto do Bodensee (lago Constance).

Decidi então mudar o plano, que originalmente era ir em direção ao sul, e começar lá e depois vir ao norte, onde moro. Era um certo risco planejar o começo da viagem com uma bike que eu só tinha visto por fotos, mas combinei um horário com o vendedor, empacotei as coisas nos alforges de bicicleta, comprei uma passagem de trem noturna —foram aproximadamente 12 horas— e fui!

Chegando lá, tudo correu melhor que a encomenda: a bike estava em estado perfeito, ajustada e, o mais importante, adequada ao meu tamanho! Parti dali rumo ao meu primeiro destino: Rothenburg ob der Tauber. A cidade fica na Baviera e é atração turística típica. Eu, particularmente, estava indo visitar um amigo.

A distância era de 250 km entre os locais e eu não estava muito convencido de que ia completar o percurso todo em um dia. O plano era pedalar o quanto desse, pra ver aonde eu chegava.

O dia estava lindo, e andar pelas ciclovias em meio aos campos de canola, bem amarelos, é uma sensação incrível. A liberdade de estar sozinho, apenas a brisa, o verde e amarelo dos campos e azul do céu… A paisagem montanhosa do sul da Alemanha é impagável, com vários pontos com vista para cidades pequenas ou natureza.

As ciclovias também são ótimas, se conectam pelo país inteiro e na maior parte do tempo são asfaltadas. Se tive que dividir a pista com os carros por 30 km neste mês de viagem foi muito, e quando você é ultrapassado, os carros geralmente vão pela pista do lado.

No fim do primeiro dia, quando começava a escurecer, eu tinha pedalado 134 km e tinha chegado a Ulm. Na estação de trem de lá, tentei comprar um tíquete para o resto do trecho, mas nem todos os vagões aceitam bicicletas e o próximo deste tipo só partiria no dia seguinte.

Liguei para meu amigo de Rothenburg, avisei que não teria como chegar naquela noite e procurei um Jugendherberge (albergue da juventude). No outro dia de manhã aproveitei tudo que podia do bufê de café da manhã e peguei o trem para Rothenburg ob der Tauber. Lá passei uma boa semana.

A cidade é super simpática, rodeada por muros imponentes e com turistas completando a paisagem. Meu prazer secreto é andar à noite por lugares extremamente turísticos como esse, quando estão desertos e silenciosos. É como se fosse um local completamente novo!

Além disso, em Rothenburg é possível fazer a caminhada completa ao redor da cidade em cima do muro ou ao redor dele —ambas valem muito a pena.

De lá parti para Stuttgart, a capital de Baden-Württemberg, famosa sede da Mercedes e Porsche. Foi durante toda a viagem o maior trecho percorrido em um dia (169 km), fisicamente bastante desgastante. O relevo também faz uma grande diferença: foram quase 2.000 metros de altimetria.

No caminho passei por Schwäbisch Hall, uma cidade tipo cartão-postal, com várias casas enxaimel construídas diretamente ao lado do rio, e fiz um lanche com uma amiga que estava em um curso de alemão.

Segui meu caminho, subindo e descendo morros e sendo constantemente ultrapassado nas subidas por casais de idade com suas E-bikes. Depois de toda a quilometragem do dia, fui calorosamente recebido por um aluno com um delicioso risoto, apesar da minha indelicadeza de chegar pouco depois da meia-noite à sua casa.

O dia seguinte foi para dormir bastante, comer bem e passear pelo belo parque Killesberg. A estação deixava o parque florido com as mais diversas cores e plantas, a vista da torre, bem no meio do parque, também valeu cada quilômetro pedalado até lá. Outra boa surpresa foi que essa era a época da colheita de uvas, então as parreiras que se podem ver ao redor da cidade estavam completamente carregadas.

Meu objetivo era chegar a Zurique, onde queria visitar uma aluna e grande amiga, mas eu não teria condições de cobrir a distância de Stuttgart à capital suíça em um dia. Procurei, então, por um anfitrião via Couchsurfing e encontrei uma divertida família de origem russa em Balingen, bem no meio do caminho.

O caminho até lá foi provavelmente o trajeto mais interessante de todos, passando pelo Schloss Solitude (castelo Solitude), pelo Radschnellweg (via rápida para bicicletas) e por um parque feito ao lado de uma base militar americana, de onde se ouvia os treinos de tiro ao caminhar e pedalar —até haviam placas dizendo que, se você se mantivesse no caminho, o parque era completamente seguro, mas isso não chegou realmente a me tranquilizar.

Saindo dali, logo me deparo com uma bela descida, suave e talvez merecida, de mais de um quilômetro, pra relaxar e aproveitar a paisagem. Ao fim da descida, outra surpresa maravilhosa: o mosteiro de Bebenhausen, que posso recomendar para qualquer viajante. Um lugar tranquilo, silencioso, com pequenas hortas e uma arquitetura rústica belíssima.

A próxima parada foi em Tübingen, tanto para comer o sorvete do dia, como para ver a região do ponto mais alto da cidade, diretamente no centro. Pouco antes de Balingen, avisto de longe um castelo sobre o pico de uma colina, que vai aos pouco ficando maior. Era o Burg Hohenzollern —melhor paisagem eu não podia esperar.

Logo o castelo ficou para trás e cheguei ao meu destino. Em Balingen, pude descansar por um dia, me divertir brincando com as crianças e fazer uma trilha leve para aproveitar a natureza.

Finalmente chegou o momento em que iria alcançar a Suíça! Cruzar a fronteira de bicicleta era uma sensação inédita pra mim. Saí pouco antes das 8 horas e o frio de 7 ºC me obrigou a usar jaqueta por boa parte da manhã.

Um dos pontos altos do trecho foi a pausa em Donaueschingen, que tinha uma pacífica e simpática praça no centro da cidade. De frente para a praça fica a prefeitura, azul e em estilo bem marcante, e uma Kombi, restaurada e toda enfeitada, estava exposta na frente do prédio e alguns poucos moradores conversavam sentados nos bancos. Dali em diante o trajeto foi em grande parte cruzando fazendas e ligando pequenos vilarejos, com morros para subir e descer, e  vacas mugindo com sinos pendurados no pescoço.

A fronteira da Alemanha com a Suíça é no mínimo curiosa. Embora que para a travessia de carro exista um certo controle, havia pontos onde um riacho marcava a divisa e bastava atravessar uma pequena ponte de madeira e um bosque para se estar no outro país.

Eu segui a ciclovia com sinalização até passar pela fronteira. Era uma ponte com aduana em ambos os lados —uma alemã e outra suíça. Passei cuidadosamente, olhei por toda a parte, mas não vi ninguém se importando com as bicicletas que cruzavam. Pronto! Eu estava na Suíça! Como que em um passe de mágica, tudo toma outra cara.

O idioma soa bastante diferente, e os cumprimentos “servus” dão lugar a “grüezi”, a sinalização muda de cor e as placas dos carros têm outro formato. Pedalo ao pôr do sol até Zurique e finalmente alcanço meu destino, onde me espera uma ducha quente e Röstis (batata ralada frita) com linguiça preparados pelos meus anfitriões.

A Suíça é tão limpa como indescritível. A capital conta com o lago de Zurique, que tem uma belíssima paisagem, e subir na Grossmünster é uma atração que enche os olhos. Em um dos dias seguintes caminhamos pela região de esqui Hoch-Ybrig, e as montanhas são inimaginavelmente altas. Já no bondinho os carros no estacionamento vão ficando minúsculos, e da primeira parada pega-se mais um bondinho para continuar subindo até o cume da montanha.

Outro passeio de arregalar os olhos é ver a Rheinfall (queda de água do Reno). A estrutura permite que o turbilhão de água seja visto de diferentes pontos e, para quem quiser, existe a possibilidade de fazer um passeio de barco e chegar bem perto da queda de água —pelo menos perto o suficiente pra ninguém ficar seco.

Em outra ocasião fomos passar o dia em Lucerna, cujo cartão postal conta com a ponte de madeira mais antiga da Europa, a Kapellbrücke. A estadia chegou então ao fim e a viagem de retorno rumo ao norte começava.

Passei novamente em Balingen, onde dessa vez fiz trilhas para ver o castelo Hohenzollern de diferentes ângulos e segui novamente a Stuttgart. A maravilhosa descida antes do mosteiro de Bebenhausen se tornou agora uma bela subida depois do mosteiro.

Além disso, no meio da subida fui pego por uma boa chuva de verão. Bem na minha frente uma senhora simplesmente tirou sua capa de chuva da mochila, vestiu-a e seguiu seu caminho. Eu, menos preparado, tive que esperar 15 minutos embaixo de uma árvore, me protegendo como podia da água que caía.

Na minha recente estadia em Stuttgart havia conhecido os colegas de apartamento do meu anfitrião, um chinês e um taiwanês, que falaram em fazer um hot-pot (prato típico chinês e taiwanês) caso eu voltasse lá. Foi uma noite divertida, experimentando diferentes tipos de temperos apimentados e soja nas mais variadas formas.

Desta vez também tive tempo de pedalar com meu anfitrião, costeando os vinhedos locais. Fomos até Esslingen, uma cidade que garante umas boas fotos, com seus cantos floridos, pontes e belas casas enxaimel.

De lá parti para Bruchsal, minha última parada em Baden-Württemberg antes de chegar ao estado de Hessen. Lá, eu ficaria alguns dias na casa de conhecidos da família. A época também era de colheita de abóboras e neste trecho era possível ver trabalhadores em muitas das plantações, algumas destas expondo orgulhosas à venda os diversos tipos do vegetal. De fato, existem até espécies decorativas, que não são próprias para o consumo.

O sistema de venda é por vezes na base da confiança, há um cofre no qual se inserem as moedas e os preços estão indicados para cada tipo de abóbora. Além disso, a caminho de Bruchsal passei por parte da Fachwerkstraße (estrada do enxaimel), uma rota entre vários vilarejos repletos de casas em estilo enxaimel.

O próximo trecho foi até Darmstadt. A diferença de relevo ao se chegar em Hessen é nítida e os morros começam a ficar cada vez mais raros e menos íngremes, o que veio muito bem a calhar, porque meu corpo começava a dar cada vez mais sinais de cansaço.

O caminho seguia por muitos campos de abóbora e canola. A pausa para o almoço fiz em Mannheim, com vista para a Wasserturm (torre d’água), que fica no centro da cidade e é um dos símbolos locais.

Até chegar a Darmstadt o tempo tinha se mantido seco (à exceção do pouco de chuva perto de Stuttgart), mas agora, faltando 10 km para chegar ao meu destino, começou uma leve garoa, que aos poucos engrossou. Até fiz uma pequena pausa, mas decidi que, se continuasse pedalando, quem sabe o pior da chuva não me pegaria. Não foi o caso.

Faltando 5 km para chegar eu parei mais uma vez e conferi a previsão do tempo: seriam mais 2 h de pancadas de chuva. Aí foi assim mesmo, debaixo de um aguaceiro, que pedalei os quilômetros restantes até meu anfitrião, um conhecido de longa data.

Chegando lá deu pra ver que a jaqueta impermeável não era tão impermeável assim e um dos alforges também cedeu em um ponto. Consegui achar um par de roupas secas e depois de uma boa ducha quente fomos comer um Rollo (semelhante a um wrap) e tomar cerveja no bar mais próximo.

Embora a chuva não tenha facilitado dar uma olhada no local ao chegar, fiquei impressionado com a universidade, que mistura prédios clássicos com outros bastante modernos.

Graças ao aquecedor do apartamento, no dia seguinte minhas roupas estavam praticamente secas e pude seguir viagem a Gießen, mas não antes sem passar pelo bem cuidado Prinz-Georg-Garten (Jardim Príncipe Georg) e pela Waldspirale, um condomínio famoso por seu estilo extravagante, desenhado pelo austríaco Hundertwasser.

O caminho para Gießen passava por Frankfurt, onde fiz uma boa pausa à beira do rio Main antes de ir para o centro dar uma conferida na Altstadt (cidade antiga). Nesse mesmo dia ainda encontrei um outro trecho de via rápida para bicicletas e fiquei fascinado ao ver um posto de auto-atendimento para reparo de bikes e bomba de encher pneu!

Em Gießen aproveitei para descansar, afinal acabei pedalando dois dias seguidos. Lá acontecia a Herbstmesse (feira de outono), um programa típico alemão, que é realizado em várias cidades, com diferentes nomes e em diferentes datas. A princípio são atrações como carrosséis, montanhas-russas, estandes de tiro e carrinhos de bate-bate, tudo isso com pausas para batata frita e salsicha em suas variadas formas.

A viagem seguiu para seu ponto final em Frankenberg, um pequeno município em Hessen. Lá mora a família de minha namorada e eu iria conhecê-los, encerrando ali minha viagem e voltando para casa de trem.

Um dos pontos altos deste último trecho foi passar por Marburg, onde a cidade antiga fica em uma colina e se pode ver grande parte dos prédios ao se passar pela margem oposta do rio. A Elisabethkirche (Igreja de Santa Isabel) salta aos olhos e marca a paisagem.

E assim chegou ao fim minha rota. Foram 24 dias de viagem, dos quais pedalando em 11, totalizando pouco mais de 1.200 km. Comigo levo a gratidão de ter sido hospedado por pessoas tão calorosas, as belas imagens da Suíça e do sul alemão —às vezes em foto, às vezes apenas em minha memória— e a vontade de organizar a próxima aventura.

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Aviso aos passageiros 1: Confira algumas dicas para viajar de bicicleta e não cair em roubadas

Aviso aos passageiros 2: Está com saudades de viajar? Que tal ver um road movie que acompanha dois sessentões e uma jovem cruzando o Saara? Falo mais sobre o filme “4L” aqui

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Ciclista encontra tempestade de areia, rios e cachoeiras em viagem pela Islândia https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/05/16/ciclista-encontra-tempestade-de-areia-rios-e-cachoeiras-em-viagem-pela-islandia/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/05/16/ciclista-encontra-tempestade-de-areia-rios-e-cachoeiras-em-viagem-pela-islandia/#respond Sat, 16 May 2020 13:15:18 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/15895783405ebf0a642fdca_1589578340_3x2_md.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=374 A Cândida Brenner de Azevedo já contou aqui no blog como foi sua primeira viagem de bicicleta, quando pedalou por mais de 30 dias pelo Reino Unido.

Agora, ela vem relatar a sua experiência na Islândia, para onde viajou em junho de 2019.

Durante sua pedalada de 30 dias, Cândida enfrentou uma tempestade de areia, passou por derramamentos de lava, por rios de água turquesa e muitas cachoeiras.

Eu sei que em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Quando a Islândia surgiu como destino dos sonhos, comecei a pesquisar sobre a possibilidade de percorrê-la de bicicleta. Os relatos não eram animadores. Ao contrário, apontavam que realizar o sonho de conhecê-la de bicicleta ia ser um desafio e tanto.

Isso fez com que “aquela força estranha” que nasce dentro de mim nas cicloviagens aflorasse e tornasse a sua realização uma “obsessão”. Li muito e a preocupação maior para concretizar a viagem se tornou o clima.

Na Islândia os ventos são fortes, mudam de direção a todo o momento, geram tempestades de areia e mudança repentina no clima. Checar a previsão do tempo e velocidade do vento é algo corriqueiro para o islandês.

Viajar de bicicleta com esse clima se torna mais complicado na Islândia, devido à baixa densidade demográfica. A ilha é do tamanha do estado de Santa Catarina e tem em torno de 360.000 habitantes, sendo que um terço mora na capital, Reykjavik. Dessa forma, é muito difícil conseguir um local para se proteger e esperar a fúria do tempo passar.

Mesmo com tudo que li, resolvi encarar, sozinha, a ilha de gelo.

Chegou o dia de partir, o coração não cabia no peito de tanta ansiedade, vontade de começar logo a viagem, de viver a Islândia.

Quando cheguei em Keflavik, o primeiro contato já foi surpreendente: no aeroporto tem um bicicletário, com lugar para montar e desmontar as bicicletas, com ferramentas e tudo. Esse cuidado e respeito com as pessoas, sem palavras, apenas com atitudes, me encantou.

Equipamentos arrumados, sono em dia, hora de pegar a estrada. Coração acelerado de felicidade, medo, ansiedade, tudo junto e misturado. O início do pedal foi tenso, por uma rodovia bem movimentada, vento forte e o frio que congelava.

Foi bem desanimador e me fez pensar: “sua louca, o que você está fazendo aqui?” Sempre no início das aventuras eu me boicoto, já estou acostumada.

Logo saí da rodovia movimentada e tive contato com a Islândia dos meus sonhos. Um encantamento tomou conta de mim. Passei a pedalar numa estrada sem movimento, com lava de vulcão derramada por toda a parte, coberta com um musgo delicado e ao fundo fumaça, que devia ser de algum vulcão, ou da produção de energia geotérmica.

Entrei num transe, tudo que eu tinha planejado começava a ser vivido, eu estava pedalando na Islândia, sozinha, a bike e eu, e havia um mundo a ser desbravado.

É difícil descrever a beleza da paisagem da Islândia, é diferente do que estamos acostumados, tudo é negro, devido à formação vulcânica da ilha. A paisagem é vasta, grande, sem muita vida, mas ao mesmo tempo fascinante.

No caminho, passei por uma das atrações mais visitadas da ilha, a lagoa Azul, que tem sua água aquecida pela atividade vulcânica, que também lhe fornece uma tonalidade azulada.

Durante a viagem, a ciclista passou por praias, cachoeiras e casas dentro de rochas (Arquivo pessoal)

Na hora de acampar, procurava pela cidade que tinha planejado terminar o pedal, mas não via nada, nenhum sinal de cidade ou construção, apenas a natureza bruta e linda da Islândia me cercava. Já estava preocupada quando o “santo dos aventureiros” fez com que encontrasse um rapaz pescando.

Parei para falar com ele e, para minha sorte, ele era islandês (como a população da Islândia é muito pequena, é difícil encontrá-los). O islandês disse que eu estava muito perto da cidade, mas que eu não a avistaria da rodovia, já que o padrão das cidades da Islândia era diferente do resto do mundo.

Selvogur era uma cidade com apenas 50 moradores, composta por poucas casas, na beira do mar. Nesse dia, comecei a entender a Islândia, suas peculiaridades e a me apaixonar por ela.

No decorrer dos dias, pedalei por rodovias repletas de flores roxas, na beira do mar, por derramamentos de lava, por rios de água turquesa, passei por muitas cachoeiras e avistei muitos pássaros (era época de reprodução). Também tive contato com os cavalos islandeses, que são menores e mais peludos que os nossos e têm crinas longas, lisas, que ganham vida própria com o vento.

Na Islândia, as atrações turísticas são gratuitas e abertas 24 horas por dia. Não há guarita ou controle de entrada e saída.

Passei por casas construídas abaixo do solo, com grama no telhado e pelo vulcão Eyjafjallajokull, que em 2010 entrou em erupção e fechou os aeroportos da Europa por vários dias. E me surpreendi ao encontrar um grupo muito grande de renas.

Em alguns dias o pedal fluía, em outros o vento era incessante, mudava de direção o tempo todo, tornando complicado pedalar.

Na transição entre o sul (parte mais quente) e o sudeste (parte mais fria), vivi a situação mais desesperadora da viagem. Apesar de ter checado a previsão do tempo, como fazia todo o dia, tive uma surpresa. Em um vale, o vento provocou uma tempestade de areia. Eu estava simplesmente no meio do nada, sem qualquer local para me proteger.

No início, tentei pedalar e, como não consegui, empurrei a bicicleta. Mas mal conseguia mexê-la, pois o vento era forte demais e a areia cortava o rosto (única parte do corpo exposta). Os olhos também eram massacrados, pouco conseguia enxergar. Precisei de horas para sair do vale. Foi tenso. Passado o susto, levei algum tempo para conseguir entender tudo que tinha acontecido. O pedal depois desse episódio foi de pura reflexão.

Nos dias mais pesados de pedal, para relaxar, eu me banhava nas piscinas públicas. Na Islândia, apesar de as cidades serem muito pequenas (em média com 100 habitantes), a maioria tem piscina pública aquecida. É como se fossem uma praça, local de socialização.

Durante o trajeto passei por túneis e, na saída de uma deles, fui parada por policiais que me questionaram: “Os carros te respeitaram? Mantiveram uma distância segura da bicicleta?” Eu não sabia o que dizer e fiquei perplexa com as perguntas. Eles estavam preocupados com meu bem-estar e segurança. Ao se despedirem, me desejaram sorte na jornada e cuidado.

Rumando para o norte, fui me aproximando da região do lago Myvatn, que é vulcanicamente ativa. Na estrada já dá para perceber isso, tem rios azuis, montanhas com tons amarelados e o cheiro de enxofre toma conta.

Falando em cheiro de enxofre, na Islândia se usa energia geotérmica e a água quente que sai nas torneiras e no chuveiro, em razão disso, tem cheiro bem forte de ovo podre (enxofre).

Ao redor do lago Myvatn, visitei várias atrações, como o vulcão Hverfjall, o campo de lava Dimmuborgir, o parque Hofdi, o vulcão Skutustadagigar, a usina geotérmica Krafla.

Islândia tem muitas atrações naturais espalhadas pela ilha (Arquivo pessoal)

Nesses passeios encontrei algo inusitado: um chuveiro e uma pia, no meio do nada, com água quentinha para quem quisesse tomar banho… só na Islândia mesmo.

Depois de muitos dias pedalados, cheguei a Akureyri e de lá peguei um ônibus até a capital, Reykjavik, que surpreendeu com ciclovias e faixa de pedestre devidamente sinalizadas, bebedouros para humanos e animais e locais destinados à manutenção das bicicletas, com bomba e ferramentas na beira das ciclovias.

Na Islândia, os ônibus de linha são preparados para levar ciclistas, com um local especial para acomodar as bikes –não é necessário desmontá-las.

O próximo destino da viagem era o Círculo Dourado. Passei pelo Parque Nacional Thingvellir, onde há uma falha geológica entre as placas tectônicas da Europa e da América, visitei o Vale Geotérmico Haukadalur, onde há vários gêiseres e a cachoeira Gullfoss.

Depois de todos esses dias pedalando contra o vento, o que eu queria se concretizou: peguei vento a favor! Eu não pedalava nem nas subidas, parecia que alguém me empurrava.

Finalizado o passeio pelo Círculo Dourado, hora de voltar!

Me apaixonei pela Islândia, pela natureza exuberante, pelo povo, pelo cuidado e respeito que eles têm com as pessoas e com a natureza.

Esse é o relato de um sonho realizado!

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Aviso aos passageiros 1: O casal Rafaela Asprino e Antonio Olinto pedala há tanto tempo que já criou vários guias de cicloturismo. Aqui, eles contam um pouco sobre a serra do Espinhaço, entre MG e BA

Aviso aos passageiros 2: Confira algumas dicas para viajar de bicicleta e não cair em roubadas

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Casal de cicloviajantes cria guia da serra do Espinhaço, entre MG e BA https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/05/11/casal-de-cicloviajantes-cria-guia-da-serra-do-espinhaco-entre-mg-e-ba/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/05/11/casal-de-cicloviajantes-cria-guia-da-serra-do-espinhaco-entre-mg-e-ba/#respond Mon, 11 May 2020 21:12:33 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/15892256515eb9a8b3eed9b_1589225651_3x2_md.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=368 Após um período de férias (sem sair de casa, obviamente), esse blog volta para compartilhar os relatos de viagens de vocês, leitores. E, para deixar claro, jornadas passadas, que podem inspirar as futuras 😉

O casal Rafaela Asprino e Antonio Olinto (@olintoerafaela)vive como nômade há mais de 20 anos e, nesse período, tem trabalhado para divulgar o cicloturismo no Brasil.

De suas viagens pelo país e pelo mundo, Rafaela e Antonio desenvolveram guias de cicloturismo e documentários. A expedição pela serra do Espinhaço, entre Minas Gerais e Bahia, que eles narram abaixo, gerou o “Guia de Cicloturismo Serra do Espinhaço”.

Eu sei que em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Muitas questões surgem quando nos propomos a viver experiências além daquelas que conhecemos. Medos, desejos, pré-conceitos, sentimentos que brotam e que, de certa forma, revelam nossa forma de ver o mundo.

Para lançar-se ao desconhecido é preciso coragem. Mas para viver essas experiências de forma plena, é preciso desprendimento, não só dos bens materiais que nos envolvem no dia a dia mas, principalmente, da nossa forma de ver o mundo.

Gostamos deste axioma que, de forma crítica, relativiza “verdades” sobre o mundo e também sobre nós mesmos.

Desde 2007, nossa proposta é a de criar uma rede de caminhos interessantes para viajar de bicicleta no Brasil. Em nosso último mapeamento para a elaboração do “Guia de Cicloturismo Serra do Espinhaço”, tivemos que aguçar nossos sentidos para compreender e viver toda a beleza de uma região que ainda preserva sua cultura e natureza, exótica para nós.

Quando começamos a nos aproximar das montanhas de Diamantina (MG), nos sentimos cada vez mais atraídos por suas formas únicas: áridas e espinhosas, as características visuais destas montanhas se mostram muito diferentes das da Mantiqueira e da serra do Mar, por exemplo.

A decisão de seguir rumo norte por esta verdadeira “espinha dorsal”, que corta o interior de nosso país, nos trouxe o sentimento de aventura, de estarmos desbravando um universo que, em última análise, já fazia parte de nosso imaginário e de nossa identidade como brasileiros.

Mas, o que seria aventura, afinal? Se fizermos essa pergunta, cada pessoa terá uma resposta diferente: desafio, superação, risco, enfrentar perigos…

O termo “aventura” tem origem do latim “ad venture”, ou seja, o que está por vir. A definição que mais gostamos é a que liga a aventura a atitudes novas, novos caminhos, algo que nos faça dar um passo adiante na linha de nossa “zona de conforto”.

Em nossos trabalhos de mapeamento na serra do Espinhaço, encontramos as principais características que nos atraem em uma aventura de bicicleta: lugares pouco visitados, tranquilos, que nos façam sentir livres.

E como a maior parte dos cicloturistas já percebeu, a grande viagem não está exatamente no destino, mas sim no próprio caminho. Conviver com as pessoas simples destes interiores tão longínquos e aprender sobre seu modo de vida, sua cultura e tradições sempre é a parte mais gratificante da viagem.

Mapa dos roteiros do “Guia de Cicloturismo Serra do Espinhaço” (Divulgação)

A desolação dos ambientes nos leva à introspecção e ao autoconhecimento. O desgaste físico e o calor nos fazem pensar nas razões que nos levaram a escolher viver tudo aquilo que envolve uma viagem de bicicleta como essa. A beleza exótica da paisagem e o carinho que recebemos deste povo tão sofrido pelas duras condições do semiárido realmente mudaram preconceitos e paradigmas que tínhamos sobre a região, realmente mudaram nossa forma de ver o mundo, e também de nos vermos no mundo.

Com um histórico de guias que passam desde o Rio Grande do Sul até o Nordeste, podemos dizer que aprendemos muito com esta última viagem e cada quilômetro percorrido nos fez ainda mais apaixonados pela beleza e pluralidade das pessoas e culturas existentes em nosso grande país.

“Guia de Cicloturismo Serra do Espinhaço”

Como na maior parte de nossos guias, o cicloturista poderá escolher os pontos de início e final, criando seu próprio circuito, fazendo as paradas nos locais que julgar mais interessantes.

Além do trajeto direto entre Diamantina e o Parque Nacional da Chapada Diamantina (999,11 km), o guia oferece como um bônus um circuito que faz a volta no Parque Nacional, com 203,14 km de extensão. Sendo assim, o cicloturista poderá montar um circuito de uma semana ou viajar por um mês inteiro, perfazendo todos os caminhos do guia.

Abaixo, alguns números do guia:

  • 1.232,12 km de caminhos planilhados entre 24 municípios de 2 estados, em 2 regiões do Brasil (Sudeste e Nordeste) | (228,21 km em pavimento e 1.003,91 km em terra)
  • Trajeto mais curto entre Diamantina (MG) e Mucugê (BA): 999,11 km | (159,71 km em pavimento e 839,40 km em terra) ascendência acumulada: 17.444 m / descendentes acumuladas: 17.277 m (sentido Sul/Norte)
  • Volta no Parque Nacional da Chapada Diamantina: 203,14 km com 3.110 m de altimetria | (74,53 km em pavimento e 128,61 km em terra)
  • Trajeto mais longo, incluindo visita às cachoeiras, parques e a volta no Parque Nacional da Chapada Diamantina: cerca de 1.280 km com mais de 22.300 m de ascendência acumulada
  • 1ª edição: 224 páginas, 56 mapas, 55 gráficos de perfil altimétrico e 81 planilhas

 

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Aviso aos passageiros 1: A cicloviajante Cândida Brenner de Azevedo já contou aqui como foi sua primeira viagem sozinha, em que pedalou mais de 30 dias pelo Reino Unido

Aviso aos passageiros 2: Confira algumas dicas para viajar de bicicleta e não cair em roubadas

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Ciclista pedala sozinha por Nordeste e Colômbia em sua 1ª viagem https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/12/25/ciclista-pedala-sozinha-por-nordeste-e-colombia-em-sua-1a-viagem/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/12/25/ciclista-pedala-sozinha-por-nordeste-e-colombia-em-sua-1a-viagem/#respond Wed, 25 Dec 2019 13:04:08 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2019/12/15768870685dfd631c90555_1576887068_3x2_md-300x215.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=237 Gosto de compartilhar aqui as histórias de mulheres que, sozinhas ou acompanhadas, viajam pelo mundo, mostrando que as estradas não são percorridas apenas por homens.

Já postei o relato da Cândida, que pedalou sozinha pelo Reino Unido. Hoje, apresento a Érica Ceciliato (@iamericalatina), outra mulher que está em sua primeira viagem de bike.

Há quase nove meses na estrada, a paulista já percorreu mais de 5.000 km de estradas entre o Nordeste do Brasil, a Colômbia e o Equador —o Guilherme já contou para o Check-in um pouco de sua viagem pelo norte do país.

Você também fez alguma de bicicleta? Ou de carro? Ou a pé? Mande seu relato para o Check-in pelo email checkin.blogfolha@gmail.com.

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A todos os leitores, muito prazer! Meu nome é Érica, tenho 29 anos, turismóloga, comunicadora, nascida em Santos e nos últimos 10 anos, por conta de estudos e trabalho, estava vivendo em São Paulo. No passado, porque há oito meses peguei minha bike e fui embora.

O motivo? Uma mistura de insatisfação profissional e política com uma vontade de conhecer o mundo e suas pessoas e histórias. Também queria viver a vida um pouco mais intensa e menos privilegiadamente. E de modo sustentável, amigável (a bicicleta é o veículo mais simpático e querido do mundo), sendo meu próprio motor e tendo a velocidade perfeita para interagir com as pessoas e o ambiente. E digo mais: sozinha!

Sozinha porque sempre amei minha própria companhia, ser independente e já tinha experiência em viajar desacompanhada. Sozinha porque não queria esperar ninguém largar tudo e seguir comigo, com minhas vontades e manias.

Então comecei os planejamentos. Pesquisei os materiais mais resistentes de uma bicicleta e quem iria me ajudar na montagem. Encontrei pessoas que já fizeram viagens longas —obrigada, Mão na Roda. Planejei roteiro e mais tarde percebi que foi uma perda de tempo. E, por fim, me organizei financeiramente, o que já fazia há anos. Este eu considero importante, mas não primordial, já que dinheiro pode ser feito no caminho.

A ideia sempre foi dar uma volta na grandiosa América do Sul, mas não sem antes conhecer muito bem nosso país tropical, abençoado por Deus e bonito por tremenda e exuberante natureza. Para não chocar tanto minha família, saí de casa falando que iria viajar pelo Nordeste, chegar até o Festival de Parintins no final de junho e já voltava. Até porque mal sabia se daria certo mesmo. E como não tinha quase nenhuma experiência em estradas com uma bike, decidi começar da Bahia, terra de gente calorosa.

O que era pra ter início em Caraíva (sul da Bahia) começou em Porto Seguro, porque logo de cara conheci pessoas incríveis e ganhei carona até Arraial D’Ajuda. Evitei, assim, o primeiro grande perrengue de estrada de terra com alguns buracos e subidas fortes. E foi em Porto Seguro, terra conhecida como a do “descobrimento” do Brasil, que eu, ironicamente, comecei a me descobrir.

Viajar de bicicleta é uma autodescoberta cotidiana, mudanças de pensamentos e quebras de paradigmas e comportamentos, se você está disposto a isso. Tudo é tão disruptivo que a nossa cabeça pode se tornar nossa principal aliada ou inimiga, atraindo sentimentos e almas boas ou ruins, paralelamente. Vi, percebi e vivi tudo isso logo nos primeiros quilômetros.

Em meu primeiro mês de viagem, na Bahia, tudo e todos foram extremamente amáveis comigo. Minha realização aumentava junto ao meu rendimento físico, que passou de 50 km diários a quase 100 km, em menos de 1 mês.

Me encantava com cada “bom dia” pronunciado de uma forma gostosa de ouvir, com cada praia que quase sempre era mais linda do que a anterior e com sua gente sempre arretada. As coisas nas primeiras semanas fluíram tão bem que fui deixando qualquer resquício de medo ser levado pelas brisas do caminho.

Erroneamente também fui desapegando do estado de alerta, que deve estar sempre presente, sobretudo sendo uma mulher, me expondo e movimentando com uma bicicleta.

Fui perceber da pior forma. Chegando à ponte que dá início a Maceió, avistei um lindo entardecer com um arco-íris. Como a estrada estava movimentada, parei no acostamento e comecei a tirar fotos.

Um menino de uns 14 anos me abordou e pediu meu celular. Tentei demovê-lo da ideia pois precisava muito de um aparelho pra falar com quem iria me receber. A princípio ele desistiu, mas logo surgiu um rapaz maior e começamos a lutar ali mesmo, entre os carros. Achei que os motoristas iriam me ajudar. Que nada!

Depois de duas coronhadas na cabeça e uma no supercílio, eles conseguiram levar uma bolsa com câmera, cartão de crédito e o celular. E após tudo isso, ensanguentada, os carros começaram a parar.

Estrada com buracos foi uma constante para a ciclista (Arquivo pessoal)

Muitos desacreditavam que eu estava sozinha e que tinha sobrevivido. Tive a assistência por parte de várias pessoas, inclusive uma família me abrigou, me deu todo o suporte necessário, muito amor e caronas à delegacia —minha eterna gratidão à Maryelle e ao Paulo!

Esse é um dos exemplos de anjos que surgem em nosso caminho —todo cicloviajante tem várias histórias do tipo. Não sei se é porque vamos ganhando uma visão mais aguçada e tudo vai ficando mais evidente ou se é de nossa lei da atração mesmo. O que importa é que eles existem.

Em nenhum momento pensei em voltar para casa. Assumi a culpa de ter deixado o mal chegar a minha vida para me mostrar que nem tudo é conto de fadas e que tenho a obrigação de me manter alerta.

E assim segui. Um outro anjo disfarçado de ciclista, o Marcos, me acompanhou em meu caminho de saída de Maceió até outra praia. Depois disso voltei a ser eu com meus próprios pensamentos, músicas e silêncio. Trauma ou medo? Pode ter voltado a aparecer às vezes, mas nunca deixei tomar conta de mim.

Por todo o Nordeste segui acompanhada por estradas repletas de coqueiros, nasceres e pores do sol maravilhosos, dormidas em postos de gasolinas 24h e em quarteis de bombeiros, encontro com grupo de ciclistas. E me “abasteci” com muito cuscuz e tapioca e terminei com um show incrível do Alceu Valença nos festejos de São João em São Luís.

Foi no Maranhão inclusive que meus pais vieram me ver e tentar me buscar. Besteira, é claro! Até quando estavam presentes, os trechos que eles iam de táxi ou ônibus eu ia pedalando.

Ainda tinha todo um norte pela frente, literalmente. E lá fui conhecer uma nova cultura de costumes indígenas amazônicos. Tudo se tornou extremamente novo: comidas, músicas, tradições, paisagens e umidades (aja suor!).

A cicloviajante também percorreu um trecho de barco, pelo rio Amazonas (Arquivo pessoal)

Conheci as praias de rio mais lindas do mundo, o tacacá, o açaí puríssimo com farinha de mandioca, a bebida e o tempero mais vibratoriamente deliciosos do mundo —jambu, o tambaqui, entre muitas outras maravilhas amazônicas. Mas a maior e melhor delas foi viajar por 12 dias de barco (parando em Santarém, Parintins e Manaus) pelo rio Amazonas até a Colômbia. Mas não sem antes conhecer o surreal e surpreendente Festival de Parintins.

Há anos nutria uma enorme vontade de ver todas aquelas músicas e alegorias. Inclusive subi o Nordeste em uma velocidade um pouco forte para chegar a tempo. E consegui! No sábado pela manhã, já no segundo dia de festival, meu barco atracava em Parintins, com uma incrível recepção dos botos.

Sem falar que, graças a mais um anjo, o Paulo, consegui entradas e vi o festival direto de um camarote, sem pagar nada. Além de comemorar a vitória do meu boi Garantido 😀

Após tantas boas experiências, a curiosidade de vivê-las pelo outro lado do continente gritava alto. Em Manaus, após me reenergizar com banhos de cachoeiras, tomei duas decisões importantes: a compra de uma passagem de barco até Tabatinga, fronteira com a Colômbia, e um bilhete de avião dali até Bogotá e Santa Marta.

Mais sete dias de barco, de paradas em povoados indígenas afastados da civilização, de fazer amizade com todos os estrangeiros do barco e até ser a tradutora oficial deles, e finalmente cheguei ao meu primeiro novo país nessa viagem: Colômbia.

A partir daí começava a romper mais algumas grandes barreiras: a linguística —tendo que me comunicar em outro idioma—, a da cultura e costumes —sempre bem diferente dos que eu estava acostumada no Brasil— e, não menos importante, a das subidas.

As ladeiras, como eram conhecidas por todo o Nordeste, se tornaram cordilheiras, muito mais longas e íngremes. E, querendo ou não, me senti na obrigação de começar a apreciá-las em vez de fazer cara feia, como acontecia no Brasil.

Foi subindo por várias vezes e dias esse emaranhado de montanhas, mais conhecido como Cordilheira dos Andes (ou espinha dorsal do planeta), que aprendi que com subidas e descidas podemos ver e apreciar muito melhor a vida por todos os ângulos.

Após quase nove meses e mais de 5.000 km de pedaladas em centenas de estradas entre o Nordeste do Brasil, a Colômbia e o Equador, percebi que não era apenas o mundo exterior que todas elas me possibilitavam conhecer, mas também o meu mundo interior.

Foram nos momentos mais difíceis, com calor de 40 ºC, com subidas que sempre me pareciam intermináveis, com uma bicicleta de 17 kg e mais meus 28 kg de casa, comida e roupa nem sempre lavada que levo, que me dei conta de como a dificuldade nos ensina e engrandece. Nesses momentos fui entendendo que o sofrimento, quando visto como uma oportunidade de aprendizado, deixa de ser tão necessário e se torna o melhor aliado para nossa evolução.

Dia a dia percebo como a sociedade se porta muito mais sincera e empaticamente comigo. Apesar do cansaço do final do dia, sempre termino melhor do que começo. Para mim, não tem sensação melhor de ter alcançado um destino com minhas próprias pernas.

Porém, entretanto, contudo e todavia ainda tenho muito chão pela frente! O objetivo é chegar ao sul do continente, na última pontinha dele —Ushuaia— e então dar a famosa meia volta-volver para casa.

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Aviso aos passageiros 1: O cicloviajante Nestor Freire contou ao Check-in como foi viajar de bike para os dois extremos do mundo: Ushuaia, no extremo sul da Argentina, e Nordkapp, no limite setentrional da Noruega

Aviso aos passageiros 2: Confira algumas dicas para viajar de bicicleta e não cair em roubadas

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Em sua 1ª viagem sozinha, ciclista pedalou mais de 30 dias pelo Reino Unido https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/11/27/em-sua-1o-viagem-sozinha-ciclista-pedalou-mais-de-30-dias-pelo-reino-unido/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/11/27/em-sua-1o-viagem-sozinha-ciclista-pedalou-mais-de-30-dias-pelo-reino-unido/#respond Wed, 27 Nov 2019 13:40:09 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2019/11/IMG_1433-300x215.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=187 A funcionária pública Cândida Brenner de Azevedo viaja há algum tempo de bicicleta, tendo no currículo um destino fora do comum para quem pedala: Alasca.

O que ela conta para o Check-in, porém, é como foi a sua primeira viagem de bike totalmente sozinha, pelo Reino Unido, em junho de 2018.

A cicloviajante ficou mais de 30 dias na estrada e passou por Inglaterra, Irlanda, Irlanda do Norte, País de Gales e Escócia.

Você tem algum relato interessante de viagem? Foi a um destino e quer compartilhar sua experiência? Escreva para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Sempre tive o sonho de conhecer o Reino Unido, em especial a Inglaterra. Não sei bem ao certo o motivo, se pelo fato de ter reis, rainhas, príncipes e princesas, o que remete a infância, ou pela educação que dizem ter o povo inglês. Sei que sempre foi um local que chamou minha atenção.

Em julho de 2017, ao voltar de uma cicloviagem, pensei: Por que não fazer uma viagem de bike pelo Reino Unido, juntando a paixão pela bicicleta e o desejo de conhecer a terra da família real britânica? Logo que essa ideia surgiu, já fui pesquisando e verificando a viabilidade da jornada. A fase pré-viagem me fascina: adoro planejar, pesquisar, estudar possibilidades e logística.

Próximo do dia de partir, meu companheiro desistiu de viajar. A dúvida surgiu: vou sozinha ou adio o plano? Refleti muito e, depois de uma semana, decidi que iria, sim, realizar meu sonho e do jeitinho que planejei, de bicicleta. Seria uma experiência incrível, a bike e eu, pelo Reino Unido.

Chega o grande dia, hora de partir, rumo a Londres.

A bicicleta foi a companheira de viagem de Cândida pelo Reino Unido (Arquivo pessoal)

Aproveitei Londres por três dias, conheci muitos pontos turísticos e assisti a musicais. No terceiro dia montei a bicicleta e organizei a bagagem para pegar a estrada até Dover. Sair da capital foi bem complicado, muito movimento e desrespeito por parte dos motoristas —um momento de bastante estresse. Passado o sufoco, foi só desfrutar das belas paisagens.

No meio do caminho, não sei bem em qual cidade, parei para acampar. O município era pequeno e o camping nada acolhedor. Nem banheiro tinha. Como estava bem cansada, não quis ir até a próxima cidade e acabei ficando ali mesmo. Montei a barraca, tomei banho de lencinho umedecido e descansei. A saída de Londres foi tão tensa que eu estava com muita dor nos ombros.

No segundo dia de pedal cheguei a Dover, cidade litorânea, que encanta com suas falésias e seu grande castelo. Fiquei um dia para passear e conhecer suas belezas.

De lá peguei a estrada novamente com destino a Southampton. No caminho, dormi em Hastings e Worthing. O trajeto foi muito bonito, belas praias, falésias e um interior lindo de se ver. Os cenários eram maravilhosos e a altimetria ajudava muito, quase tudo plano, mas o vento contra era terrível. Isso fez com que, no final do dia, o peito e o rosto doessem.

Segundo Cândida, Dover encanta com suas falésias e seu grande castelo (Arquivo pessoal)

Em Southampton aproveitei para conhecer Stonehenge. Fui até Salisbury de trem (deixei a bicicleta no hostel onde estava hospedada) e de lá peguei um ônibus para o famoso ponto turístico.

Lá, mudei os planos e acabei indo direto de ônibus a Liverpool, pois verifiquei que o trajeto que faria tinha muito trânsito de carros. Foi o único veículo que peguei com a magrela em toda a viagem.

A cidade me encantou muito. Visitei o Museu dos Beatles, fui no Cavern Club, caminhei no Albert Dock, no Pier Head, foi muito agradável. De Liverpool, eu pegaria balsa até Dublin.

Para meu espanto, a balsa não aceitava bicicleta ou passageiros a pé, então fui pedalando até Holyhead, no País de Gales.

O trajeto foi uma grata surpresa, e fiz um dos pedais mais lindos da viagem até então, pela Snowdônia. No País de Gales dormi nas cidades de Rhyl, Llanrug e Holyhead. Em Holyhead peguei a balsa para Dublin.

O modo como transportam as bicicletas nas balsas é muito bacana. Ela vai montada, com alforje e tudo, e não foi preciso tirar ou desmontar nada. Eu fui pedalando até o porto e lá entreguei a bike para ser acomodada junto com os carros e caminhões.

Ao entregá-la para o funcionário me deu uma tristeza e uma sensação de solidão, pois estava me afastando da minha companheira de viagem. Foi um sentimento muito estranho. Não sei muito bem descrevê-lo, mas foi triste ver a bike ser conduzida por outra pessoa e não estar com ela ao meu lado.

Em Dublin, reencontrei a magrela e fui pedalando do porto até o local onde ficaria hospedada. Pude cruzar toda a cidade de bicicleta, o que foi muito legal. Na capital irlandesa, em quase todas as ruas tem ciclovia, e os motoristas respeitam o ciclista. Passeei por lá e visitei museus, castelos, prisões, bibliotecas e pubs.

De Dublin fui para Belfast, capital da Irlanda do Norte, e dormi nas cidades de Stabannan e Portadown. Confesso que eu não conhecia muito sobre o país e sua capital, e só fui aprender mais sobre eles na pesquisa da viagem.

Belfast me surpreendeu. É muito bonita e organizada. O que impressiona é a rivalidade entre católicos e protestantes e o muro que divide parte da cidade, tendo até um portão que é fechado a noite para evitar o fluxo de pessoas e veículos. Em Belfast foi construído o navio Titanic.

Cândida ficou mais de 30 dias viajando de bike pelo Reino Unido (Arquivo pessoal)

De lá peguei uma balsa para a Escócia, para Cairnryan. Dessa vez, o embarque da bicicleta foi diferente: eu entrei com ela no porão da balsa e a acomodei numa sala. Como sabia onde ela estava, não tive a impressão de que a gente estava se separando. Só que entrar na balsa de bike foi assustador, pois segui com os caminhões e os carros, parecia que ia ser “esmagada”. Mas foi só impressão, porque os motoristas foram respeitosos.

O pedal pela Escócia era o mais esperado, pois sabia que as paisagens seriam lindas, mas a altimetria do pedal iria castigar um pouco. Eu estava bem tensa no início, tinha medo de não dar conta.

Estava iniciando a parte final da viagem. O destino era Inverness, mas antes pedalei até Glasgow, passando por praias lindas.  Para chegar lá dormi na cidade de Ayr.

Em Glasgow visitei catedrais, cemitério, museus e dei uma esticada, de ônibus, até Edimburgo. A capital é encantadora, com seus castelos, parques, a cidade antiga e a nova. É um dos grandes municípios mais bonitos que visitei na viagem.

De volta a Glasgow, peguei a estrada até o destino final, Inverness, dormi em Ardlui, Glencoe e Fort Augustus. O trajeto foi incrível, pedalei por montanhas e lagos, entre eles o Ness, conhecido por “abrigar” um monstro.

A cicloviajante passou também pelo lago Ness (Arquivo pessoal)

A paisagem das terras altas escocesas é incrível, é tanta montanha que a gente se sente pequeno. O caminho até Inverness, apesar da altimetria, foi feito com muita tranquilidade, pois o cenário era tão lindo que as subidas se tornaram pequenas.

Foi tão tranquilo que eu me assustei ao perceber que tinha vencido a altimetria sem me dar conta. As pernas nem reclamaram. Esse trecho realmente foi um dos mais lindos da viagem. Na minha opinião, só perdeu para a Snowdônia, no País de Gales.

O último dia até Inverness, onde pegaria o voo para voltar ao Brasil, foi de uma mistura de sentimentos. Eu estava eufórica, feliz por estar concluindo um sonho, de pedalar, sozinha, por lugares que eu queria muito conhecer, mas também estava triste pela viagem estar chegando ao fim. Foi um pedal de reflexão, de despedida.

Cheguei ao destino final meio sem acreditar que tudo havia dado certo, que eu tinha dado conta de pedalar aproximadamente 1.500 km, durante mais de 30 dias, sozinha, pelo Reino Unido.

A viagem transcorreu tão bem, sem incidente, sustos ou problemas na bike —nem pneu eu furei—, que eu nem acreditava. Até o tempo colaborou: eu não peguei chuva na viagem, todos os dias foram ensolarados, céu azulzinho!

A experiência de viajar sozinha foi incrível. Não senti solidão em nenhum momento. A minha companhia não me incomodou. Pelo contrário, foi maravilhoso passar esse tempo comigo mesma. Fiquei feliz de ter tido coragem de enfrentar esse desafio, pois seria muito mais fácil ter adiado o sonho e esperado por companhia para realizá-lo.

Com essa viagem aprendi que o céu é o limite quando a gente tem coragem de sair da zona de conforto do nosso dia a dia e de enfrentar os nossos medos.

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Aviso aos passageiros 1: O cicloviajante Nestor Freire contou ao Check-in como foi viajar de bike para os dois extremos do mundo: Ushuaia, no extremo sul da Argentina, e Nordkapp, no limite setentrional da Noruega

Aviso aos passageiros 2: Confira algumas dicas para viajar de bicicleta e não cair em roubadas

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Brasileiro viaja de bicicleta para os dois extremos do mundo https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/brasileiro-viaja-de-bicicleta-para-os-dois-extremos-do-mundo/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/brasileiro-viaja-de-bicicleta-para-os-dois-extremos-do-mundo/#respond Tue, 29 Oct 2019 12:32:52 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/15723069925db780302d377_1572306992_3x2_md-300x215.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=153 O empresário Nestor Freire, assim como Leo e Alessandra, tem um plano ambicioso. Enquanto o casal quer rodar de carro os 5 continentes em 4 anos, o cicloviajante solitário montou um projeto com fim previsto para 2027.

Inspirado no livro “O Herói de Mil Faces”, de Joseph Campbell, Nestor vai, ao fim de 15 anos, fazer várias viagens por diversos cantos do mundo com uma bicicleta. A primeira desse projeto foi em 2012, pela Cordilheira dos Ventos (entre Argentina e Chile).

De lá para cá, o empresário viajou por trechos do Brasil, Espanha e França, entre outros. Abaixo, ele nos conta como foi pedalar para os dois extremos do mundo, na Argentina e na Noruega. E, só para deixar claro, ele não fez tudo em uma única toada.

Você tem alguma história legal de viagem? Que tal compartilhar com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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“Os extremos do mundo se tocam”. Foi com essa frase que um amigo catalão instigou-me a enfrentar o maior desafio de minha vida recente como viajante. Foi mais uma etapa dentro de uma série de viagens de bicicleta que me propus a fazer desde 2012 e que ainda irão ocupar a minha mente e o meu tempo até 2027. A este projeto como um todo chamei de Giraventura.

Começou há sete anos como uma espécie de aventura que me propus composta de 14 etapas, todas organizadas com o propósito de me guiar a reflexões filosóficas sobre as experiências vividas durante os vários trajetos que fiz. Não é exagero dizer que roteirizei minha existência, pois foi exatamente o que criei —com direito a site e nome para cada “ato”— para alcançar minhas metas de viagem até daqui a oito anos, quando então terei 60.

Mas ao falar de extremos, meu amigo estava se referindo a dois pontos distantes entre si na Terra e que ainda não haviam servido como cenários para este roteiro meu: Ushuaia, no extremo sul da Argentina, e Nordkapp, no limite setentrional da Noruega. A ideia era partir rumo a esses cantos do mundo por volta do solstício de verão de cada hemisfério, quando os dias são mais longos do que as noites.

Dentro da lógica do Giraventura, todo ano vou a alguma parte do mundo, sempre procurando realizar experiências que vão além da bicicleta. Em 2019, motivado pelas palavras de meu amigo, me propus a alcançar essas duas cidades quase opostas, mas passíveis de serem alcançadas via terrestre, tudo dentro de um único ano. Comecei pela mais próxima.

Nestor Freire viaja de bicicleta por vários cantos do mundo (Arquivo pessoal)

Mesmo que chegar ao confim sul do continente americano, partindo de Puerto Montt, no Chile, já estivesse nos meus planos há muito tempo, eu talvez não tenha me dado conta à época da façanha que estava começando a conquistar. Parti pedalando desde o início da Carretera Austral, e atingi Ushuaia 38 dias depois, depois de uma jornada solitária de 2,8 mil km pela Patagônia e a Terra do Fogo.

Apenas cinco meses após a primeira parte, parti no dia 20 de agosto na direção de meu segundo objetivo para o ano. Era pleno verão europeu quando cheguei a meu destino final na Escandinávia, depois de uma jornada de 50 dias e 3,8 mil km percorridos a partir de Amsterdã, na Holanda. Estava em Nordkapp, justamente no dia do solstício.

Fora o esforço por conta dos quilômetros percorridos com a bicicleta e a pé, foi somente depois de alguns dias que me dei conta: eu talvez tenha me transformado em um dos poucos ciclistas do mundo a ter vivido essa experiência rumo a extremos tão distantes entre si dentro de um mesmo ano. Foi um esquecimento involuntário, mas que aconteceu porque, durante todos esses meses, a minha preocupação não fora somente bater recordes ou testar limites físicos de meu corpo. Eu estava buscando algo maior: saber mais das pessoas, conhecê-las em todas as partes, saber se um argentino na Patagônia difere tanto de uma senhora sueca a mais de 12 mil quilômetros dali.

Frequentemente, me perguntam sobre o que existe de diferente em cada um dos cantos do mundo e sobre como é passar por oito países em menos de um ano? De forma simples, eu diria que assimilei muita coisa, especialmente a identificação de diferenças culturais e econômicas gritantes. Mas é a alegria de encontrar gente marcante o mais importante em minhas jornadas pelo mundo, sem sombra de dúvida.

Distâncias a serem percorridas ou o tempo de viagem são importantes, mas o encontro com pessoas é grandioso. Alemães, argentinos, chilenos, dinamarqueses, finlandeses, holandeses, noruegueses e suecos, há todo tipo de gente por onde passo, quase sempre com algo em comum. Eu garanto: são pessoas parecidas pois são todas unidas pela solidariedade, uma cola social muito mais poderosa que o idioma inglês.

Uma das coisas mais bacanas de viajar sozinho em duas rodas é justamente receber o carinho e o afeto das pessoas, ver à vera como estão determinadas a ajudar. É como um outro amigo sempre me diz: a bicicleta possui algo mágico, pois ela tem a capacidade de abrir as portas e os corações, colocando-os a nosso favor.

Um desses encontros recentes ao acaso, por conta de minha ida a Nordkapp, me vem à memória demoradamente. Aconteceu em um dia de chuva e frio, enquanto eu cruzava a Suécia. Com a roupa completamente molhada e há 13 horas na estrada, entrei em um povoado bem pequeno chamado Tuna, perto da cidade de Nyköping. Escolhi aleatoriamente uma casa e perguntei à pessoa que me atendeu se havia algum camping pelas redondezas para que eu pudesse armar a minha barraca e descansar. O dia ainda estava claro, mas já passava da meia-noite. A senhora com quem conversava me ofereceu seu jardim para o acampamento e a toalete para me duchar. Aceitei imediatamente a proposta e, não só acampei e tomei banho, mas tive a honra de ser convidado para me sentar à mesa de jantar dela e degustar algo antes de retornar à minha barraca.

A madrugada durou muito mais do que eu imaginava, com conversas intensas, das quais eu ainda me lembrava no dia seguinte. Na hora de me despedir, fui até a dona da casa e lhe contei uma história sobre meu pai. Um dia antes de falecer, ele havia me chamado à cama e dissera que gostaria de me agradecer por tudo. Imediatamente respondi que não precisava de agradecimentos, pois eu havia feito tudo por amor. Mas, com a voz bem baixa e rouca, meu pai me respondeu que não somente continuaria me agradecendo, mas que me aconselharia a também agradecer a todas as pessoas que, por ventura, cruzassem meu caminho. Tão logo terminei de relatar o episódio, pude notar as lágrimas reluzentes nos olhos daquela senhora sueca que me acolhera. E agradeci.

Muitas histórias diferentes vivi na Suécia, todas com a mesma raiz que gerou o meu encontro com a senhora em Tuna. A cada dia que passava, eu aprimorava minha abordagem e aos poucos conquistava as pessoas com a história da minha jornada rumo aos extremos do mundo.

Foi viajando pela Suécia onde passei a maior parte do meu tempo durante estes meses de viagem aos extremos do mundo em 2019. Cruzei-a de ponta a ponta e pude testemunhar o que Erik Gandini, diretor do filme “O Jeito Sueco de se Amar”, quis dizer ao colocar, lado a lado, o modelo social sueco bem-sucedido e os buracos negros existenciais de uma sociedade que cria as pessoas mais autônomas do mundo.

Vivi situações parecidas na Argentina e no Chile, meses antes. Cada encontro desses é encarado por mim como um degrau na direção de um estado de consciência supremo, algo que eu possa compartilhar em conversas, palestras e todo tipo de interação que eu venha a ter no futuro. Conforme eles foram acontecendo, mais fui me dando conta de que extremos do mundo não separam de fato as pessoas. Ou, pelo menos, não as tornam tão diferentes assim. Seja na América do Sul ou no norte da Europa, sempre a curiosidade das pessoas era a mesma: por que essa aventura toda? Seria um sonho, uma promessa? Como eu poderia ficar dois meses longe de minha terra natal, dos meus filhos?

É para respondê-las cada vez com mais propriedade que agora, a menos de oito meses da próxima etapa do projeto —que recebeu o nome de “Entre Placas Tectônicas – Islândia 2020″—, tenho me dedicado a me transformar em um contador de histórias melhor, alguém que influencie as pessoas e as leve a refletirem sobre novos objetivos, questões sociais e uma vida melhor.

Meu amigo catalão me disse um dia que os extremos do mundo se tocam. Após chegar ao Ushuaia e Nordkapp, percebi que é verdade. Há ligações entre lugares ou pessoas supostamente diferentes e, talvez, eu esteja aqui para ser um catalisador desse entendimento, quebrando alguns paradigmas e preconceitos e transformando pessoas por meio das inúmeras situações inusitadas que a vida sob duas rodas tem me proposto.

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Aviso aos passageiros 1: O escritor Marcelo Lemos também já enfrentou uma das extremidades do mundo. Ele escalou o monte Kilimanjaro, o ponto mais alto da África

Aviso aos passageiros 2: Há 6 meses na estrada, o engenheiro Guilherme Valadão viaja de bike por Brasil, Colômbia e Venezuela

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Há 6 meses na estrada, engenheiro viaja de bike por Brasil, Colômbia e Venezuela https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/10/11/ha-6-meses-na-estrada-engenheiro-viaja-de-bike-por-brasil-colombia-e-venezuela/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/10/11/ha-6-meses-na-estrada-engenheiro-viaja-de-bike-por-brasil-colombia-e-venezuela/#respond Fri, 11 Oct 2019 13:32:07 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/image7-300x215.jpeg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=136 Mês passado eu postei aqui dicas do jornalista Ricardo Ampudia para viajar de bicicleta e fugir de roubadas. Alguns leitores se inspiraram e mandaram seus relatos.

Uma das pessoas que me procurou foi o engenheiro Guilherme Valadão (@roteiro0), que está há 6 meses na estrada. Ele partiu de São Luís (MA), cruzou o norte brasileiro e viajou pela Colômbia e Venezuela. Agora, está no Panamá.

Guilherme conta que nunca tinha ouvido falar de gente que viaja de bike, e que um mundo novo surgiu após ler o livro de um cicloviajante. Quem sabe esse relato (ou algum outro do Check-in) não te abra também os olhos para novas experiências?

Você também fez alguma de bicicleta? Ou de carro? Com a mãe, o pai, o cônjuge ou a família toda? Mande seu relato para o Check-in pelo email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Sou engenheiro de produção, com mestrado pela USP, e estava trabalhando como gerente de suprimentos em uma indústria quando decidi, aos 29 anos, viajar de bicicleta. Completei 30 quando estava pedalando na Venezuela com tudo que possuo em uma bike.

Tive a oportunidade de viver em 3 outros países e em 4 estados brasileiros, então viajar era uma opção natural em um momento em que não me sentia mais feliz com a rotina que levava.

Planejava uma viagem “normal”, de mochila, para fazer trabalho voluntário em alguma parte do mundo.

Quando estava pensando nisso, li um livro de um brasileiro que havia viajado de bike, o “Homem Livre: Ao redor do mundo em uma bicicleta”, do Danilo Perrotti. A primeira reação foi: tem gente que viaja assim?

Isso mexeu totalmente comigo. Não dormi muito bem nos dias seguintes e ficava imaginando como seria explorar o mundo dessa maneira. Fui buscar mais informações e vi que há toda uma estrutura de equipamentos para isso, rede de contatos, aplicativos, etc.

Nem tinha bicicleta, mas a chama já estava acesa.

Deixei o trabalho e fui à casa dos meus pais, em São Luís, para me preparar por um tempo, pedalar, testar o que funcionaria melhor para dali sair rumo à América Central, passando pela Colômbia.

A magrela chegou e a primeira etapa foi explicar para meus pais o que faria. Demorou para que entendessem que sairia da casa deles já pedalando, e não que viajaria de avião para algum lugar e levaria uma bicicleta junto.

Já que não tinha uma bike desde que era criança, comecei a pedalar. No início, enquanto fazia 10 km, já buscava o que necessitaria para começar a viagem.

Os 10 km diários foram crescendo, os equipamentos que comprava foram chegando e pouco mais de 2 meses depois estava pedalando quase 100 km por dia, com tudo que considerava suficiente em mãos.

Então era hora de sair.

Início no Brasil

O início é tudo ao extremo. Uma sensação de liberdade nunca sentida antes misturada com uma sensação de incerteza sobre o que está por vir.

No dia de esteria, ao chegar à primeira cidade em que parei após 100 km de pedal, atualizei a rede social que criei para a viagem e logo amigos começaram a me escrever com indicações de onde poderia descansar. Resultado: na primeira noite, fiquei em uma casa não utilizada da família de um amigo de um amigo.

Assim, vi que uma forma de ter apoio seria por meio de conhecidos que estivessem acompanhando a viagem. Nos primeiros dias, por ainda estar relativamente perto de onde cresci, acabei sendo recebido até por amigos de amigos de amigos…

Uma experiência que marcou muito o início da jornada aconteceu logo na primeira semana. Em uma cidade no interior do Maranhão, ao me hospedar com o dono de um restaurante, conversei com um funcionário dali e, falando sobre a viagem, contei que iria para Cachoeira do Piriá (PA), onde não tinha nenhum contato ou informação até o momento.

Ele disse que era de lá e que um irmão me receberia. Mas o problema é que ele perdeu o celular e havia 6 meses que não falava com o familiar. Assim, propus um desafio: ele me daria as informações de como encontrar a casa do seu familiar e eu levaria o seu novo número de telefone. Minha recompensa seria a esperança de ter um local seguro para descansar na cidade.

No fim, encontrei o Seu Zé em Cachoeira do Piriá e os irmãos voltaram a ter contato. Não preciso nem dizer que o Seu Zé me deixou descansar tranquilamente na sua casa…

Colômbia

Cheguei à Colômbia de barco pelo rio Amazonas. Essa era uma viagem que desejava fazer e optei por ir à tríplice fronteira (Brasil – Colômbia – Peru) desta maneira saindo de Manaus. Foram 6 dias subindo o rio para chegar à Amazônia colombiana.

A jornada de bicicleta pelo país vizinho começou em Bogotá. Logo de início vi porque chamam a Colômbia de país do ciclismo. Ali se cruza com ciclistas nas estradas a todo momento. Em locais inimagináveis, no meio de uma montanha, de repente passa um senhor de idade pedalando ao seu lado. Essa cultura reflete em vias preparadas e em motoristas mais experientes para lidar com ciclistas.

A grande marca deixada pela Colômbia na minha viagem foi a da superação. O país é pura montanha, não tem como escapar! E eu, antes viajante que ciclista, que até o momento vinha pedalando somente por lugares planos, de repente me vi cruzando a Cordilheira dos Andes de bike, com mala e tudo.

O início foi sofrido, parava bastante para respirar, já que além da montanha também impacta a altitude. Me vi pedalando por subidas que não imaginava ser capaz, mas também a mais de 3.000 metros, encarando frio, vento e chuva.

Logo o corpo se adapta e, mais importante, a mente também. E não muito tempo depois já aprendi a desfrutar as subidas, que estão acompanhadas de descidas, claro. Passei a desfrutar e preferir pedalar pelas montanhas. Hoje me parece menos monótono e geralmente são locais com paisagens de tirar o fôlego e com pessoas receptivas.

Pensava inicialmente em chegar à costa colombiana e então cruzar ao Panamá para seguir pela América Central. Pois bem, em uma casa de ciclistas onde descansei por uns dias, conheci outros cicloviajantes e, com dois deles (um argentino e um uruguaio), fizemos o trecho de Medellín (noroeste) a Bucaramanga (norte) juntos.

Essa já foi a primeira grande mudança de rota na viagem, porque vinha de Bogotá (centro) rumo à costa passando por Medellín. Como decidi acompanhá-los por esse trecho, acabei virando ao leste e cruzando as Cordilheiras dos Andes outra vez. Haja subida!

O colega uruguaio havia passado pela Venezuela vindo desde o Brasil, também de bicicleta. Eu tinha bastante curiosidade, e ele me contou sobre as experiências que teve. Me disse que, apesar de tudo, o lugar que mais havia gostado em toda sua viagem foi o país de Maduro. Como eu já havia chegado a Bucaramanga e a Venezuela já estava logo ali, deu aquela curiosidade…

Venezuela

Passei a entender a complexidade que seria entrar ao país ao chegar à cidade colombiana de Cúcuta, na fronteira. Fiquei uma noite descansando em um hotel onde trabalhava um ciclista que me recebeu sem cobrar nada.

Soube lá que, na Venezuela, não poderia sacar dinheiro e que não aceitavam cartão internacional por conta dos bloqueios. Restava levar dinheiro, mas em que moeda? Pouco gente tinha informação e só fui entender isso após um tempo viajando pelo país. Em cidades fronteiriças, estão utilizando pesos colombianos como moeda principal e também fazem transações em dólar.

Mas o interior do país está dolarizado. O bolívar, moeda local, está em desuso devido à hiperinflação. É necessário carregar quantidades absurdas de notas para se comprar coisas mais simples. O dólar também dá mais estabilidade, apesar de não ser à prova da louca inflação que presenciei.

No país vi cidades em que a situação está quase beirando à normalidade mas, na maioria, choca qualquer desavisado. Comércios fechados, supermercados vazios, cidades desertas. Acompanhei um anfitrião por 5 horas em uma fila para colocar gasolina. Há lugares em que duram dias.

Em Maracaibo, a família de ciclistas que me recebeu não tinha água em sua casa havia duas semanas. Vivi diversos apagões, sendo que um deles foi geral, impactou todo o país por 3 horas.

Me hospedei com uma família em Coro, ao norte, que morava em uma rua onde só vivia gente mais velha. Todos os jovens emigraram. No país simplesmente não há mais oportunidades. A grande parte está sobrevivendo, cuidando de suas casas e esperando que algo mude.

Esse é um lado do país, o outro são as pessoas. Que povo!

Havia tido experiências muito boas no Brasil e na Colômbia, mas a Venezuela superou tudo. Cruzei o país durante 2 meses gastando menos de 30 dólares, porque sempre era recebido por alguém, um contato de um amigo de um amigo de um outro amigo que havia feito no país, ou então pessoas que simplesmente me viam na rua e me convidavam para me hospedar com eles, me davam comida, frutas, água.

E essa foi a impressão que ficou.

A bicicleta é mágica

Escrevo de dentro da minha barraca na Cidade do Panamá, e completo 6 meses de jornada.

E para que você entenda um pouco como é a experiência, cheguei ao lugar sem contatos. Se nada acontecesse, iria aos bombeiros pedir um cantinho para colocar minha barraca e descansar.

Entrando na cidade, um carro passou me chamando. O motorista era um colombiano vivendo no Panamá há 15 anos, com a esposa. Viajante, me contou que já subiu muita montanha em vários países e disse que sabe como é uma pessoa sair sozinha carregando tudo que possui, o desafio que é chegar a um lugar sem conhecer ninguém, só trazendo boa intenção e sede de novos conhecimentos.

Após uma conversa, me convidou para pôr minha barraca em uma área livre na casa deles pelo tempo que quisesse. Ou seja, chegando a uma das cidades mais caras do trajeto, sem contato e nenhuma indicação, a estrada tratou de fornecer uma solução e aqui estou em minha barraca, com acesso à internet, banheiro, cozinha e máquina de lavar roupa. Quer mais conforto que isso?

Próximos planos

Não saí com um plano fixo, mas somente com um norte, de seguir subindo a América Central, sem um objetivo de destino ou tempo. Se fosse para trabalhar com metas e cronogramas, estaria em um escritório. Agora, por exemplo, pensei que já estaria na Nicarágua ou na Costa Rica, mas teve uma Venezuela no meio no caminho.

Sempre digo que a viagem pode terminar amanhã se eu acordar sem vontade de seguir. Ou pode durar alguns anos mais, caso tenha condições, saúde, e esteja desfrutando.

Então segue aí e vamos viver essa aventura juntos!

Para finalizar, deixo uma sugestão. Monte em uma bicicleta e se surpreenda com as distâncias que podem ser percorridas e com a sensação de liberdade. Comece explorando os arredores da sua cidade e quem sabe um dia você não seja um cicloviajante.

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Aviso aos passageiros 1: Volto a sugerir o blog da jornalista Erika Sallum, o Ciclocosmo. Há muita informação sobre o mundo das bikes

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Confira dicas para viajar de bicicleta e não cair em roubadas https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/09/30/confira-dicas-para-viajar-de-bicicleta-e-nao-cair-em-roubadas/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/09/30/confira-dicas-para-viajar-de-bicicleta-e-nao-cair-em-roubadas/#respond Mon, 30 Sep 2019 13:17:29 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2019/09/15506912905c6dabdad8c8d_1550691290_3x2_md-300x215.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=129 Muita gente está aproveitando a onda de bicicletas de aluguel, que chegou com tudo a várias cidades do Brasil, para retomar o gosto por pedalar. Há quem aproveite para ganhar dinheiro e quem já se organiza para colocar a magrela na estrada.

Pensando no pessoal que está com essa coceirinha de viagem de bike na cabeça, peguei algumas dicas para iniciantes (ou experientes) com o jornalista Ricardo Ampudia. Ele é um dos responsáveis pelo projeto Folha na Sala e tem no seu bagageiro muitos quilômetros de estrada em cima de uma bicicleta.

E você, já viajou de bike? Que tal compartilhar sua experiência com o blog Check-in? É só escrever para checkin.blogfolha@gmail.com

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O cicloturismo não é só uma forma diferente de ir de um lugar a outro, é uma outra forma de experimentar o caminho. Ainda que a “experiência” tenha virado um produto vendido até em carrinhos de cachorro-quente, essa não custa quase nada.

Pedalando você vivencia o trajeto de uma maneira que jamais experimentaria de carro ou ônibus. Pelo pára-brisas você nunca sentiria o cheiro dos eucaliptos na beira da estrada, não notaria como o riacho embaixo da ponte é cristalino, nem se assustaria com os lagartos correndo no mato.

Como tudo na vida, você precisa começar devagar e, quanto mais preparado, mais fácil será. Seguem algumas dicas:

Conheça sua bicicleta e saiba um mínimo de mecânica

Não precisa se especializar e abrir sua própria oficina, você precisa saber pelo menos como trocar um pneu furado, regular o freio ou emendar a corrente. Merdas acontecem, é bom saber o que fazer.

O mesmo serve para a regulagem. Se você não quiser investir grana em um bike fit, use planilhas ou aplicativos disponíveis na internet para medir corretamente a sua posição sobre a bicicleta. Isso vai evitar aquela dorzinha nas costas (ou na bunda), que, em pedaladas longas, tornam-se uma tortura.

Não leve sua vida na garupa

Quanto menos peso, menos esforço. Leve só o essencial. Uma dica é espalhar tudo separado pelo chão e ir cortando fora o que não for essencial. Você não precisa de 20 camisetas para 20 dias. Invista em peças coringas que ocupam pouco espaço, como um corta-vento.

Investindo em equipamento

Existem várias opções de alforges no mercado, de diferentes tamanhos e materiais. Considere gastar mais dinheiro em produtos que vão durar todas as viagens da sua vida, como um bom bagageiro e alforges resistentes.

O bikepacking também tem se popularizado no Brasil. Em vez de mudar a configuração da magrela com bagageiros, as bolsas impermeáveis podem ser penduradas atrás do selim, no guidão e no tubo superior. Várias marcas estrangeiras chegaram aqui  a preços acessíveis e o mercado nacional também tem ótimas opções.

Comece do começo

Muita gente se joga no mundo sem nunca ter pedalado grandes distâncias e vai bem, obrigado. Mas, talvez não seja uma boa ideia ir de São Paulo ao Recife se você só pedala uma vez por semana no Ibirapuera. Treine em pedaladas um pouco mais longas de vez em quando.

Comece em rotas já consolidadas, com trechos mais curtos e altimetria razoável. Depois parta para grandes projetos, que requerem muito planejamento de rotas e um bom cronograma.

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Aviso aos passageiros 1: A jornalista Erika Sallum tem um blog na Folha voltado ao mundo das bikes, o Ciclocosmo. Corre lá para se informar mais

Aviso aos passageiros 2: Já pensou em ir de bicicleta de Salvador a Nova York? O adolescente baiano Rubens Pinheiro fez isso, mas em 1927!

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