Check-in https://checkin.blogfolha.uol.com.br Relatos de turistas, dicas e serviços de viagem Wed, 01 Dec 2021 12:49:26 +0000 pt-BR hourly 1 https://wordpress.org/?v=4.7.2 Brasileiro que viajou a América a cavalo relembra incêndios na Argentina https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2021/01/13/brasileiro-que-viajou-a-america-a-cavalo-relembra-incendios-na-argentina/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2021/01/13/brasileiro-que-viajou-a-america-a-cavalo-relembra-incendios-na-argentina/#respond Wed, 13 Jan 2021 16:06:00 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2021/01/Filipe-1-300x215.jpeg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=620 Muita gente tem no currículo alguma viagem de avião, carro ou ônibus. Menos pessoas podem dizer que já rodaram por aí de moto ou bicicleta. Mas são poucos os que têm a experiência de viajar a cavalo.

A primeira grande viagem do jornalista e caubói Filipe Masetti foi de Calgary, no Canadá, a Barretos, no interior paulista, quando percorreu 16 mil km. O segundo trecho foi de Barretos a Ushuaia, na Argentina, e foram 7.500 km. Na sequência, ele cavalgou 3.500 km de Fairbanks, no Alasca, a Calgary.

Ao todo, Masetti viajou mais de 25 mil km por 12 países e chegou a escrever dois livros sobre suas expedições: “Cavaleiro das Américas”, sobre a sua primeira viagem, e o recém-lançado “Cavaleiro das Américas rumo ao Fim do Mundo”, sobre o trajeto Brasil-Argentina.

Abaixo, um trecho do livro sobre a temporada de incêndios que o brasileiro enfrentou na Argentina, em janeiro de 2017.

Em tempos de coronavírus nossas viagens ficaram mais restritas. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Depois de descansar por duas horas, selei os garotos de novo e continuei rumo a Médanos, a apenas dez quilômetros ao oeste. Minha anfitriã havia me alertado dos terríveis incêndios a frente.

A fumaça enchia o ar e o céu brilhava com um laranja estranho. Sabia que os incêndios florestais estavam queimando a província de La Pampa desde o Natal, mas não sabia que haviam chegado à província de Buenos Aires.

Quando cheguei a Médanos, era como se tivesse entrado em um filme apocalíptico. Respirar virou uma batalha com a fumaça cinza me sufocando e os cavalos também. O céu parecia estar em chamas.

“A essa altura, não sabemos se você conseguirá cavalgar amanhã, filho”, um gaúcho grande, amigo do Luis de Bahía me falou. “A rodovia está fechada por causa do incêndio que queima nos dois lados.”

Quando tirava as selas dos garotos, sirenes berravam, convocando todos os bombeiros voluntários para o quartel dos bombeiros. As sirenes eram altas e agudas, como aquelas usadas para alertar moradores das ilhas de um possível tsunami.

Meu coração pulou para a garganta. Estava preocupado com minha vida e a dos cavalos. Tomei a decisão errada ao cavalgar a oeste, para Bariloche?

Um jornalista, que veio tirar fotos nossas, contou aos gaúchos que me receberam que “duas mulheres foram queimadas vivas dentro do carro uma hora atrás.

Elas tentaram dar meia volta na rodovia porque não conseguiam ver nada com a fumaça densa. Um caminhão as atingiu quando faziam o retorno e as jogou dentro do fogo”.

Olhamos o céu ameaçador em silêncio, com tristeza e medo. Naquela noite, meu anfitrião, um cavaleiro de 70 e poucos anos, com cabelo grisalho espetado como um porco espinho, ofereceu-me um churrasco e umas garrafas de vinho.

Naquela região da Argentina, o vinho tinto é bebido com algumas pedras de gelo e água tônica. Achei estranho no começo. Porém, depois de beber a mistura várias vezes aprendi a apreciá-la, sobretudo nos dias de calor escorchante na sela.

Na manhã seguinte acordamos cedo e meu anfitrião me levou até os cavalos. “Liguei para o meu amigo, chefe de polícia”, disse o senhor. “Ele me avisou que o fogo queimou tudo adiante. Não há mais nada para ser queimado, então você pode cavalgar em segurança.” Não tinha certeza se essa notícia era boa ou má.

Saí de Médanos cavalgando com a fumaça densa empesteando o ar e os meus pulmões enquanto o vento soprava cinzas por todo lado. O chefe de polícia estava certo, o fogo havia queimado todo terreno adiante e não havia nada mais para pegar fogo.

Mas o sofrimento e a desolação eram imensos, era um cenário do apocalipse. Carcaças carbonizadas de vacas, pumas e tatus por todo lado. O cheiro podre, azedo, nauseabundo me forçou a prender a respiração para não vomitar.

As expressões paralisadas de sofrimento do gado partiram meu coração. Línguas para fora, bocas abertas, olhos arregalados. Muitas vacas tentaram fugir e ficaram presas. Estavam queimadas, emaranhadas na cerca.

As autoridades estimam que mais de 80.000 cabeças de gado foram mortas e mais de dois milhões de hectares de terra, queimados. Cavalos, cachorros e casas também foram perdidos nos incêndios causados por tempestades de raios e espalhados pela seca dos últimos anos e ventos fortes.

“Tentei soltar meus cavalos a tempo, mas quando cheguei à cabanha era tarde demais”, um gaúcho me contou. Uma lágrima solitária deixou uma marca ao descer por seu rosto empoeirado.

Por 170 quilômetros, a fumaça bloqueava o céu, o sol se infiltrava por ela, um laranja profundo sobre nós. Os cavalos e eu lutávamos para respirar enquanto os ventos fortes sopravam fumaça e cinzas em nossas caras o dia inteiro. Meus olhos ardiam e o fundo da minha garganta queimava.

Nos dois lados da estrada onde antes havia um tapete de pasto alto verde, amarela e marrom, agora havia troncos negro e uma camada de cinzas. Parecia que o mundo havia partido Cavaleiro das Américas rumo ao Fim do Mundo 181 sua cor. Seu brilho. Tudo ao meu redor era preto e cinza.

Na noite anterior à nossa chegada a Río Colorado, eu tinha apenas uma garrafa de 500 ml de água. Achei um curral aberto onde armei minha barraca, soltei Sapo e Picasso e bebi minha água devagar. Com lábios ressecados e a garganta seca, queria virar a garrafa, mas sabia que iria precisar dela no dia seguinte.
Sentindo-me totalmente vulnerável e mais sujo que um limpador de chaminé, vi uma velha caminhonete se aproximar e estacionar na frente da porteira. Um homem alto com a cara fechada saiu dela.

“Quem deixou você entrar?”, perguntou ao se aproximar. “Ninguém, senhor”, respondi. “Vi que a porteira não estava trancada e entrei.” Enquanto contava a ele sobre a minha viagem, ele me olhava de cima a baixo em silêncio. “OK, acho que você pode passar a noite aqui, mas se o dono aparecer, diga a ele que falou comigo.”

Aliviado, a tensão em meus ombros relaxou. Perguntei se poderia beber água do moinho próximo. Ele disse que não por causa do nível de sulfato. Apertamos as mãos e ele foi até sua caminhonete enquanto eu segui para minha barraca com a cabeça baixa. Olhava para o solo pedregoso quando ouvi um grito.

Quando olhei para cima, o homem que dois minutos antes eu achei que me devoraria vivo segurava uma garrafa de um litro de água congelada em sua mão. Corri, peguei a garrafa e agradeci a ele. Mais tarde, sozinho, sentado em minha barraca vendo os cavalos pastar, chorei em silêncio, segurando aquela garrafa gelada junto a minha bochecha esquerda.

O plástico gelado foi um alívio momentâneo para minha pele queimada. Era apenas água. Parecia ridículo alguém chorar sobre um litro de água congelada, mas estava muito desesperado momentos antes.

Quando se está com sede, quando sofre seus efeitos, aprende-se que a água é o recurso mais importante do planeta. Água é vida.

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Aviso aos passageiros 1: Na Argentina, rota dos Sete Lagos leva a San Martín e Junín de Los Andes

Aviso aos passageiros 2:O fotógrafo Sidney Dupeyrat já contou ao Check-in como foi sua viagem ao Chile, cheio de paisagens deslumbrantes

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Viajante compartilha suas aventuras na Argentina e no Chile https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/06/01/viajante-compartilha-suas-aventuras-na-argentina-e-no-chile/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2020/06/01/viajante-compartilha-suas-aventuras-na-argentina-e-no-chile/#respond Mon, 01 Jun 2020 18:15:46 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2020/05/15907061555ed03feb20f3e_1590706155_3x2_md.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=392 Muita gente conta os dias para as férias, ou para ficar em casa (como nos tempos atuais) ou para sair da cidade. Tem alguns que vão mais além, planejando uma viagem de vários meses.

Esse foi o caso de Adriano Ferreira (@diano_ferreira), que, aos 26 anos, viu que era possível passar uma temporada conhecendo outros lugares do mundo. A primeira viagem internacional dele já foi essa longa jornada.

Em um ano e meio, percorreu 12 países e passou por mais de 40 cidades. De lambuja, escreveu um ebook sobre alguns causos da vida, o “As Aventuras de um Jovem Chamado Adriano Ferreira”.

Para o blog, ele contou como foi o início dessa jornada, quando conheceu a Argentina e o Chile, e como foram as experiências de ficar em hostel e pegar carona.

Em tempos de coronavírus não podemos viajar, e muitas vezes nem sair de casa. Mas ainda podemos relembrar momentos marcantes que tivemos em outras cidades. Que tal compartilhar sua história de viagem com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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Em dezembro de 2015 comecei os planos financeiros para passar por quantos países eu pudesse. Os que conheci foram Argentina, Chile, Peru, Bolívia, Colômbia, Equador, Panamá, Costa Rica, Nicarágua, Guatemala, Belize e México.

Comecei a minha tão sonhada viagem em julho de 2016. Eu, que sempre fui caseiro, não consegui convencer as pessoas que iria sair de casa pela primeira vez. A minha mãe e a minha vó somente acreditaram quando me viram chegando em casa com a mala, dois meses antes de partir.

Quinze dias antes da data do voo, eu já tinha começado a escrever o meu primeiro ebook, “As Aventuras de um Jovem Chamado Adriano Ferreira”, com uma série de fatos inusitados da época da escola e até mesmo inacreditáveis relacionados ao meu primeiro destino dessa viagem (Buenos Aires). Contei também na história o início dessa viagem em 2016.

Como o primeiro mês de viagem foi planejado para ser mais confortável, primeiro me hospedei sozinho em um apartamento e depois aluguei quartos de casas e fiquei em hostels.

Buenos Aires tem lugares bem preservados e artísticos que me cativaram, como a Casa Rosada, o bairro de San Telmo, onde encontrei a famosa Mafalda das tirinhas do Quino, e os parques, que são lugares onde eu mais gosto de passear.

Como praticava corrida, sempre ia até os Bosques de Palermo para colocar em dia o meu exercício físico. Também visitei Tigre, cidade que fica a uma hora de trem da capital portenha. O Museu de Arte de Tigre me surpreendeu pelo requinte da sua decoração e arquitetura.

Como só tinha reservado o apartamento em que estava por um mês, e meu voo para o Chile era dali quatro dias, decidi alugar um quarto para conhecer alguém local e não ficar sozinho.

O meu anfitrião, logo de início, me causou um certo receio. Ele veio ao meu encontro, no lugar que tínhamos combinado, com uma capa colorida nas costas, feita de diversos pedaços de panos quadrados de diferentes cores, que esvoaçava enquanto pedalava. Além disso, ele falava alto com estudantes uniformizados que passavam no meio da rua e os avisava para não estudarem, pois tudo seria mentira.

Depois tentou subir em um enorme abacateiro. É engraçado, mas, quando você está hospedado na casa de uma pessoa com esse comportamento, isso pode te deixar desconfortável com as próximas reações. Então, após dormir uma noite na casa dele (e muito mal dormida, diga-se de passagem), preferi mudar de hospedagem.

Consegui alugar, em cima da hora, um misto de residência com hostel e saí da casa do meu anfitrião no fim da tarde. Ele não entendeu por que eu estava saindo depois de um dia, tendo reservado mais três, e dei uma desculpa qualquer.

Na minha terceira hospedagem em Buenos Aires conheci a Jessica, da Cidade do Panamá. Conversamos e contei os meus planos de viajar para vários lugares, inclusive o Panamá. Eu tinha planejado até a data de chegada no país. Ela disse que me receberia em sua casa quando eu fosse para lá e fiquei feliz por tamanha hospitalidade.

A visitei depois de quase 8 meses. A casa, onde mora com o marido, era confortável, com um quarto para mim. O pôr do sol do Panamá é o mais bonito que vi durante toda a viagem. A cidade tem uma mistura de ambiente urbano desenvolvido com a paisagem litorânea que é diferente.

Vista do Cerro San Cristóbal, em Santiago (Arquivo pessoal)

Após a Argentina, fui ao Chile, onde me surpreendi com a estrutura urbana e natural da região. Vi a neve das montanhas de longe logo na chegada. Em Santiago, a primeira cidade que visitei, aluguei um quarto no apartamento de uma venezuelana. Ela me levou para conhecer alguns pontos turísticos, como o Cerro San Cristóbal, de onde você tem uma vista ampla da capital, e ao Mercado Central, repleto de comidas típicas.

Eu, minha anfitriã e sua irmã combinamos um passeio no Valle Nevado, já que eu queria muito ter contato com a neve, que para mim era quase que igual caviar. Só tinha visto em imagens e vídeos, mas não tinha tocado ainda. Esse dia foi um dos pontos altos da minha viagem no quesito diversão. Até descida em uma pequena prancha pela neve teve.

No local conheci um grupo de pessoas do Equador que, quando eu disse que era brasileiro, já começaram a dançar e cantar: “Nossa, nossa, assim você me mata…”. Eu não tinha noção do quanto essa música é famosa no mundo todo.

Na culinária, as empanadas chilenas são uma delícia, mas o que me causou admiração foi ver que é comum eles comerem o abacate na bolacha de água de sal. Eu falava que fazia uma vitamina com a fruta, açúcar e leite, e eles também estranhavam.

Depois de muitas recomendações da minha anfitriã de Santiago, fui conhecer a cidade artística Valparaíso. Inicialmente o plano era viajar alugando quartos, mas isso mudou depois que me hospedei em um hostel lá. Vi que a interação era muito maior e assim eu teria mais contato com viajantes de várias partes do mundo. Muitos hóspedes eram europeus da França, Itália, Alemanha, Inglaterra e Espanha.

Um hostel é bem animado para quem quer se entreter. No entanto, eu estava querendo concluir o meu ebook. Precisava de um lugar mais tranquilo e um espaço mais reservado para me concentrar, pois estava em quarto compartilhado. Então, lá fui eu alugar mais um quarto, dessa vez na vizinha Viña del Mar, que é linda, limpa e tem uma estrutura para passeio na beira do mar –por sinal, geladíssimo. Poucas pessoas se atreviam a colocar os pés na água. A paisagem, no fim de tarde, compensava a caminhada pelo calçadão.

Os anfitriões, um casal de jovens chilenos, me receberam muito bem. Tendo um quarto só para mim, finalmente consegui escrever a minha história.

Estava feliz, tinha conseguido concluir o meu ebook e ia viajar para diversos países. Nunca imaginei que fosse para mais de 40 cidades em 12 países. Em uma das situações mais difíceis que passei –foram várias, já que a vida não é só flores–, eu estava no deserto do Atacama, no norte do Chile. E tinha decidido conhecer de bicicleta o Valle de la Luna. Reservei a bike no hostel onde estava, coloquei uma mochila pequena nas costas com uns 2 litros de água e uns lanches e fui.

Eu estava em um deserto, mas só foi cair a ficha depois que eu tinha pedalado uns 10 km. O ambiente é inóspito, seco e bem quente. Meu Deus, eu não ia voltar tudo de novo para nada. Então decidi seguir em frente para conhecer o parque, mesmo estando bastante cansado. Quando chego na porta de entrada, a minha água estava quase acabando.

Na recepção do local, quase caio para trás quando recebo a informação de que o Valle de la Luna tem dez quilômetros, mas ainda faltavam mais cinco para a entrada oficial. Eu já estava lá, tinha que encarar a aventura.

Fui pedalando. E quando achei que já estava me colocando no limite, conheci duas chilenas no meio do caminho que estavam fazendo o passeio a pé desde o povoado. Meu Deus. Eu peguei o WhatsApp delas e depois soube que uma não passou bem. Não seria para menos.

Quando cheguei perto de uma região que tem uma duna enorme e do lado havia rochas bem grandes, parecendo montanhas, e com partes que continham sal, eu fiquei fascinado com tanta beleza natural. Então vi que o esforço tinha valido a pena.

Na volta de todo o percurso, a minha bicicleta guerreira não aguentou o tranco bem quando eu tinha saído do parque e acabou tendo o pneu furado. O jeito foi pedir carona pela primeira vez na vida. Um casal de senhores muito simpáticos e gentis me levaram de kombi até o povoado onde eu estava hospedado. Apesar do imprevisto, terminei o dia satisfeito.

A vida é uma surpresa. Posso dizer que essa experiência de vida me mostrou que coisas boas acontecem quando mais precisamos. Não tem como pensar da mesma maneira, depois de uma viagem dessas. Todas as outras histórias são assunto para um próximo ebook ou até mesmo um livro físico.

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Aviso aos passageiros 1: O casal Sandro e Carla visitou a Bolívia em 2017 e conta os desafios de subir o Chacaltaya, pico dos Andes com mais de 5.000 metros

Aviso aos passageiros 2: O policial aposentado Samuel do Lago já escreveu aqui como foi viajar de ônibus pela América Latina com uma mochila nas costas

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Brasileiro viaja de bicicleta para os dois extremos do mundo https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/brasileiro-viaja-de-bicicleta-para-os-dois-extremos-do-mundo/ https://checkin.blogfolha.uol.com.br/2019/10/29/brasileiro-viaja-de-bicicleta-para-os-dois-extremos-do-mundo/#respond Tue, 29 Oct 2019 12:32:52 +0000 https://checkin.blogfolha.uol.com.br/files/2019/10/15723069925db780302d377_1572306992_3x2_md-300x215.jpg https://checkin.blogfolha.uol.com.br/?p=153 O empresário Nestor Freire, assim como Leo e Alessandra, tem um plano ambicioso. Enquanto o casal quer rodar de carro os 5 continentes em 4 anos, o cicloviajante solitário montou um projeto com fim previsto para 2027.

Inspirado no livro “O Herói de Mil Faces”, de Joseph Campbell, Nestor vai, ao fim de 15 anos, fazer várias viagens por diversos cantos do mundo com uma bicicleta. A primeira desse projeto foi em 2012, pela Cordilheira dos Ventos (entre Argentina e Chile).

De lá para cá, o empresário viajou por trechos do Brasil, Espanha e França, entre outros. Abaixo, ele nos conta como foi pedalar para os dois extremos do mundo, na Argentina e na Noruega. E, só para deixar claro, ele não fez tudo em uma única toada.

Você tem alguma história legal de viagem? Que tal compartilhar com o blog Check-in? É só escrever para o email checkin.blogfolha@gmail.com.

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“Os extremos do mundo se tocam”. Foi com essa frase que um amigo catalão instigou-me a enfrentar o maior desafio de minha vida recente como viajante. Foi mais uma etapa dentro de uma série de viagens de bicicleta que me propus a fazer desde 2012 e que ainda irão ocupar a minha mente e o meu tempo até 2027. A este projeto como um todo chamei de Giraventura.

Começou há sete anos como uma espécie de aventura que me propus composta de 14 etapas, todas organizadas com o propósito de me guiar a reflexões filosóficas sobre as experiências vividas durante os vários trajetos que fiz. Não é exagero dizer que roteirizei minha existência, pois foi exatamente o que criei —com direito a site e nome para cada “ato”— para alcançar minhas metas de viagem até daqui a oito anos, quando então terei 60.

Mas ao falar de extremos, meu amigo estava se referindo a dois pontos distantes entre si na Terra e que ainda não haviam servido como cenários para este roteiro meu: Ushuaia, no extremo sul da Argentina, e Nordkapp, no limite setentrional da Noruega. A ideia era partir rumo a esses cantos do mundo por volta do solstício de verão de cada hemisfério, quando os dias são mais longos do que as noites.

Dentro da lógica do Giraventura, todo ano vou a alguma parte do mundo, sempre procurando realizar experiências que vão além da bicicleta. Em 2019, motivado pelas palavras de meu amigo, me propus a alcançar essas duas cidades quase opostas, mas passíveis de serem alcançadas via terrestre, tudo dentro de um único ano. Comecei pela mais próxima.

Nestor Freire viaja de bicicleta por vários cantos do mundo (Arquivo pessoal)

Mesmo que chegar ao confim sul do continente americano, partindo de Puerto Montt, no Chile, já estivesse nos meus planos há muito tempo, eu talvez não tenha me dado conta à época da façanha que estava começando a conquistar. Parti pedalando desde o início da Carretera Austral, e atingi Ushuaia 38 dias depois, depois de uma jornada solitária de 2,8 mil km pela Patagônia e a Terra do Fogo.

Apenas cinco meses após a primeira parte, parti no dia 20 de agosto na direção de meu segundo objetivo para o ano. Era pleno verão europeu quando cheguei a meu destino final na Escandinávia, depois de uma jornada de 50 dias e 3,8 mil km percorridos a partir de Amsterdã, na Holanda. Estava em Nordkapp, justamente no dia do solstício.

Fora o esforço por conta dos quilômetros percorridos com a bicicleta e a pé, foi somente depois de alguns dias que me dei conta: eu talvez tenha me transformado em um dos poucos ciclistas do mundo a ter vivido essa experiência rumo a extremos tão distantes entre si dentro de um mesmo ano. Foi um esquecimento involuntário, mas que aconteceu porque, durante todos esses meses, a minha preocupação não fora somente bater recordes ou testar limites físicos de meu corpo. Eu estava buscando algo maior: saber mais das pessoas, conhecê-las em todas as partes, saber se um argentino na Patagônia difere tanto de uma senhora sueca a mais de 12 mil quilômetros dali.

Frequentemente, me perguntam sobre o que existe de diferente em cada um dos cantos do mundo e sobre como é passar por oito países em menos de um ano? De forma simples, eu diria que assimilei muita coisa, especialmente a identificação de diferenças culturais e econômicas gritantes. Mas é a alegria de encontrar gente marcante o mais importante em minhas jornadas pelo mundo, sem sombra de dúvida.

Distâncias a serem percorridas ou o tempo de viagem são importantes, mas o encontro com pessoas é grandioso. Alemães, argentinos, chilenos, dinamarqueses, finlandeses, holandeses, noruegueses e suecos, há todo tipo de gente por onde passo, quase sempre com algo em comum. Eu garanto: são pessoas parecidas pois são todas unidas pela solidariedade, uma cola social muito mais poderosa que o idioma inglês.

Uma das coisas mais bacanas de viajar sozinho em duas rodas é justamente receber o carinho e o afeto das pessoas, ver à vera como estão determinadas a ajudar. É como um outro amigo sempre me diz: a bicicleta possui algo mágico, pois ela tem a capacidade de abrir as portas e os corações, colocando-os a nosso favor.

Um desses encontros recentes ao acaso, por conta de minha ida a Nordkapp, me vem à memória demoradamente. Aconteceu em um dia de chuva e frio, enquanto eu cruzava a Suécia. Com a roupa completamente molhada e há 13 horas na estrada, entrei em um povoado bem pequeno chamado Tuna, perto da cidade de Nyköping. Escolhi aleatoriamente uma casa e perguntei à pessoa que me atendeu se havia algum camping pelas redondezas para que eu pudesse armar a minha barraca e descansar. O dia ainda estava claro, mas já passava da meia-noite. A senhora com quem conversava me ofereceu seu jardim para o acampamento e a toalete para me duchar. Aceitei imediatamente a proposta e, não só acampei e tomei banho, mas tive a honra de ser convidado para me sentar à mesa de jantar dela e degustar algo antes de retornar à minha barraca.

A madrugada durou muito mais do que eu imaginava, com conversas intensas, das quais eu ainda me lembrava no dia seguinte. Na hora de me despedir, fui até a dona da casa e lhe contei uma história sobre meu pai. Um dia antes de falecer, ele havia me chamado à cama e dissera que gostaria de me agradecer por tudo. Imediatamente respondi que não precisava de agradecimentos, pois eu havia feito tudo por amor. Mas, com a voz bem baixa e rouca, meu pai me respondeu que não somente continuaria me agradecendo, mas que me aconselharia a também agradecer a todas as pessoas que, por ventura, cruzassem meu caminho. Tão logo terminei de relatar o episódio, pude notar as lágrimas reluzentes nos olhos daquela senhora sueca que me acolhera. E agradeci.

Muitas histórias diferentes vivi na Suécia, todas com a mesma raiz que gerou o meu encontro com a senhora em Tuna. A cada dia que passava, eu aprimorava minha abordagem e aos poucos conquistava as pessoas com a história da minha jornada rumo aos extremos do mundo.

Foi viajando pela Suécia onde passei a maior parte do meu tempo durante estes meses de viagem aos extremos do mundo em 2019. Cruzei-a de ponta a ponta e pude testemunhar o que Erik Gandini, diretor do filme “O Jeito Sueco de se Amar”, quis dizer ao colocar, lado a lado, o modelo social sueco bem-sucedido e os buracos negros existenciais de uma sociedade que cria as pessoas mais autônomas do mundo.

Vivi situações parecidas na Argentina e no Chile, meses antes. Cada encontro desses é encarado por mim como um degrau na direção de um estado de consciência supremo, algo que eu possa compartilhar em conversas, palestras e todo tipo de interação que eu venha a ter no futuro. Conforme eles foram acontecendo, mais fui me dando conta de que extremos do mundo não separam de fato as pessoas. Ou, pelo menos, não as tornam tão diferentes assim. Seja na América do Sul ou no norte da Europa, sempre a curiosidade das pessoas era a mesma: por que essa aventura toda? Seria um sonho, uma promessa? Como eu poderia ficar dois meses longe de minha terra natal, dos meus filhos?

É para respondê-las cada vez com mais propriedade que agora, a menos de oito meses da próxima etapa do projeto —que recebeu o nome de “Entre Placas Tectônicas – Islândia 2020″—, tenho me dedicado a me transformar em um contador de histórias melhor, alguém que influencie as pessoas e as leve a refletirem sobre novos objetivos, questões sociais e uma vida melhor.

Meu amigo catalão me disse um dia que os extremos do mundo se tocam. Após chegar ao Ushuaia e Nordkapp, percebi que é verdade. Há ligações entre lugares ou pessoas supostamente diferentes e, talvez, eu esteja aqui para ser um catalisador desse entendimento, quebrando alguns paradigmas e preconceitos e transformando pessoas por meio das inúmeras situações inusitadas que a vida sob duas rodas tem me proposto.

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Aviso aos passageiros 1: O escritor Marcelo Lemos também já enfrentou uma das extremidades do mundo. Ele escalou o monte Kilimanjaro, o ponto mais alto da África

Aviso aos passageiros 2: Há 6 meses na estrada, o engenheiro Guilherme Valadão viaja de bike por Brasil, Colômbia e Venezuela

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